Sáb, 20 de Dezembro

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opinião

Antônio Maria: a casa de janelas verdes (2)

Ao se fixar no Rio, Antônio Maria fortaleceu os vínculos com a tribo de Assis Chateaubriand. Manteve boas relações com João Calmon e com Odorico Tavares, diretores do grupo.

Lá, seu prestígio aumentou quando ele compôs Ninguém me Ama. Conseguindo que Nora Ney, uma das cantoras mais admiradas nos anos 50, gravasse a canção. E, pasmem, Nat King Cole a ouviu, gostou e também gravou.

O fato é que o talento de Maria era múltiplo. Repórter, locutor, compositor, cronista. Sua crônica não competia com o lirismo de Rubem Braga. Nem com o barroco de Paulo Mendes Campos.

Maria assumia estilo próprio. Formando um arco de cromatismo literário afirmativo. Expunha o cenário prosaico da vida urbana. Nos seus contornos sociais variados. Passeava pelo lirismo acalentado na sensibilidade de olhos que marejavam com o humano sentir. Alcançando o verso trágico de poeta feito prosador em sofrimentos amorosos infindos.

Talvez por isto tenha escrito: “Andei trinta anos para trás e descansei de minha escravidão, de minha vida feita de horas e números, onde o dever do êxito me obriga a refugiar-me na esperança de voltar um dia ao chão de nascença e, sobre sua relva, andar de pés descalços”.

Ao falar sobre suas origens, Maria era largo. Sobre Carnaval e Natal, Natal e Carnaval, escreveu: “No Carnaval, minhas calças eram brancas e meus sapatos de tênis. As camisas, sempre feias, variavam. No Recife, o Carnaval começava no Natal. Ou melhor, não havia Natal no Recife. A 24 de dezembro, os blocos saíam às ruas com suas orquestras. Mas, na noite de 24 de dezembro, quando a gente pensava que seria uma hora silenciosa, o Vassourinhas estourava numa esquina, acordando-nos, na alma, uma alegria guerreira, impossível de explicar agora, tanto tempo e fadiga são passados”.

Certa ocasião, o poeta Jayme Ovalle manifestou desejo de conhecer Maria. Fernando Sabino levou Maria até o apartamento dele. O anfitrião foi buscar uma garrafa de uísque irlandês. Conversa vai, conversa vem, Ovalle aponta para Maria e diz:

- Você é bom !

A primeira garrafa do irlandês foi esvaziada. A segunda, providenciada. Maria estava quase bêbado. Feliz. Ovalle trouxe um violão. E Maria cantou uma das músicas compostas por ele. Então, para encerrar a tarde já encharcada, Sabino contou que, no Congresso Eucarístico, no Rio, alguém criticou os paramentos dos eclesiásticos. Ovalle era muito, muito católico. Virou-se para o crítico e disse: - Você já viu um amanhecer ? Deus é assim. Deus sempre foi exagerado, meu filho.

Maria nunca esqueceu seu massapê. Lembra sua tia, Tutsie, moradora no Poço da Panela. Uma casinha de janelas verdes, com canteiros de rosas. Assim Maria escreveu: “Por trás dos anos e das solidões, por trás dos mortos e dos nascidos, por trás daquela madrugada ainda por clarear-se, distante e silenciosa, diluída no tempo, sutil como um pressentimento, avistava-se ainda a casinha de janelas verdes, do Poço da Panela”.  
 



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