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opinião

Direitos Humanos para "humanos direitos" ou para todos nós?

Essencial para a manutenção do bem-estar de toda a sociedade, tanto de maneira individual quanto coletiva, a temática dos Direitos Humanos, por vezes, passa a ser criticada de forma equivocada, a exemplo de múltiplos questionamentos à condução da forma de tratamento aos envolvidos no sistema prisional. Mas como desmistificar isso? Como mostrar às pessoas que esses direitos são de todos nós e por isso devem ser protegidos e defendidos por todo o mundo civilizado e democrático?

Com a máxima simplicidade possível, nos dedicamos a esta tarefa a seguir.

Os Direitos Humanos (DHs) existem há muitos e muitos anos, como nos trazem as Revoluções Francesa e Americana de, respectivamente, 1789 e 1776. Nos dois momentos disruptivos da história, temos um marco importante da primeira geração dos Direitos Humanos, que se alastrou por todo o planeta Terra, notadamente em sua porção ocidental.

Trazendo rapidamente para a atualidade, e para exemplificar o que foi dito acima, os atos de votar e ser votado fazem parte da garantia do direito a eleições livres, democráticas e transparentes, mais conhecido como o direito ao voto independente, universal e secreto, sendo livre de quaisquer coações ou abuso do poder econômico.

Retornando à história, no ano de 1948, com a Organização das Nações Unidas (ONU) recém-saída do forno (1945), os Direitos Humanos tiveram a sua consolidação com a edição da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que foi redigida por um grupo de juristas internacionais sob o comando do canadense John Peters Humphrey. 

Nesse documento, composto por mais de 30 artigos, estão codificados os Direitos Humanos básicos. E vale a pena lê-la, pois é uma obra-prima no assunto.

Por sua vez, como bem ensina Isabela Souza (Politize, 2017), podemos sintetizar assim: “Os direitos humanos são direitos naturais garantidos a todos os indivíduos, independente de classe social, etnia, gênero, nacionalidade ou posicionamento político. Na definição da ONU, consistem em garantias jurídicas universais que protegem indivíduos e grupos contra ações ou omissões dos governos que atentem contra a dignidade humana. Quando os direitos humanos são determinados em um ordenamento jurídico, como tratados e constituições, eles passam a ser chamados de direitos fundamentais.”

Uma classificação muito boa feita pelo jurista checo Karel Vasak, em 1979, dividiu a temática em gerações correspondentes aos seus períodos históricos.

A primeira geração, resumidamente, corresponde aos que marcaram e motivaram as ditas célebres revoluções liberais do século 18, o direito de ir e vir protegido pelo habeas-corpus, o direito ao livre exercício do voto, o direito à liberdade de crença religiosa, o direito ao devido processo legal, o direito à presunção de inocência, o direito às liberdades de expressão e de imprensa, o direito à alternância de poder, entre outros.

Na segunda geração, por sua vez, entram em cena os direitos sociais, econômicos e culturais, em suma. E surgem com muita força no ambiente do pós-guerra em 1945. 

Um desses exemplos passa pelos direitos e garantias que protegem o trabalhador com um salário digno e apto a custear suas despesas com alimentação, moradia, educação, saúde, vestuário, lazer, cultura e mais.
No Brasil, os direitos a garantias básicas têm olhar atento voltado para as férias anuais remuneradas, 13º salário e salvaguardas contra a demissão imotivada.

*Seguindo Isabela Souza, “ainda com base na nossa Constituição Federal, podemos encontrar uma série de exemplificações das outras duas categorias de direitos de segunda geração. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social […]” (CF, art. 170).*

Para isso, deve-se respeitar os princípios de livre concorrência, função social da propriedade, a propriedade privada, a defesa do consumidor, redução das desigualdades regionais e sociais, busca do pleno emprego, entre outros. O mesmo artigo determina ainda que:

“É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.” (CF, art. 170).

Já os direitos culturais são: acesso às fontes da cultura nacional, valorização e difusão das manifestações culturais, proteção às culturas populares, indígenas e afro-brasileiras; e proteção ao patrimônio cultural brasileiro, que são bens de natureza material e imaterial portadores de referência à identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira. Tudo isso é determinado nos artigos 215 e 216 da Constituição Federal.

Em relação aos direitos humanos de terceira geração, aflorados em 1960, seriam, em resumo, os direitos coletivos e difusos. Também conhecidos como direitos transindividuais.

Os direitos coletivos são aqueles que um determinado grupo social tem em conjunto, como por exemplo numa escola, o direito às aulas regulares e com qualidade.

Por isso, inclusive, a busca por sua garantia se dá também por instrumentos jurídicos igualmente coletivos.

Os interesses difusos, por sua vez, são os que pertencem a toda comunidade, indistintamente.

O liame são as situações de fato. Como, por exemplo, o direito humano ao meio ambiente preservado e ao crescimento econômico sustentável.
Há, ainda, os clássicos direitos humanos dos consumidores, que são protegidos contra a publicidade enganosa de produtos e serviços, apenas para ilustrar.

Outros exemplos bem importantes dos direitos transindividuais são os das crianças e adolescentes, dos idosos e das pessoas com deficiência.
Nestes casos, a tutela desses direitos deve ser compartilhada entre o Estado e as organizações da sociedade civil.

Já migrando para a esfera internacional, são exemplos dos direitos humanos de terceira geração os direitos à auto-determinação dos povos e à proteção contra a purificação racial e o genocídio.

Ou seja, nos direitos transindividuais, seu exercício e sua própria existência estão condicionados a um grupo, determinado ou não, de pessoas.

Quando se consegue efetivar um direito humano de terceira geração isso beneficia a todos, mas também a sua vulnerabilidade atinge e prejudica a todos.

Muito mais há de se falar sobre quais são os direitos humanos. Sempre com a preocupação de que esta “lista” não é, nem pode ser, exaustiva, mas sim permanentemente aberta.


Secretário executivo de Direitos Humanos na Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Prevenção à Violência do Governo de Pernambuco.

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