Entre o brilho do amor e a sombra da posse
“O amor deixa marcas no coração, não no corpo! Quando isso acontece, não é amor, é posse!” ressoa como uma advertência profunda sobre a natureza do verdadeiro amor, distinguindo-o daquilo que muitas vezes é confundido com ele.
Na história do pensamento humano, filósofos modernos e do passado exploraram as nuances dessa diferença, iluminando como o amor genuíno é um ato de liberdade, enquanto a violência em relacionamentos pessoais revela uma distorção do desejo de controle e posse.
Para Aristóteles, o amor, ou philia, é uma virtude que deve ser fundamentada no respeito mútuo e na busca do bem comum. Ele via o amor como uma forma de amizade superior, onde ambas as partes devem florescer em conjunto. Quando um relacionamento se torna violento, segundo essa perspectiva aristotélica, ele deixa de ser uma união virtuosa e se transforma em uma tirania, onde uma das partes busca subjugar a outra, privando-a de sua própria essência.
Simone de Beauvoir em “O Segundo Sexo”, argumenta que o amor, especialmente nas relações heterossexuais, pode se tornar uma armadilha de opressão quando uma das partes (geralmente a mulher) é vista apenas como um objeto de posse. Beauvoir nos alerta para o perigo da mulher ser reduzida a um papel de submissão, onde a violência, seja física ou emocional, é uma manifestação extrema desse desejo de controle e de domínio sobre o outro. Nesse contexto, o amor autêntico é aquele que permite a cada indivíduo manter sua autonomia e dignidade, sem se reduzir a um mero objeto.
Erich Fromm, em “A Arte de Amar”, também faz uma distinção crucial entre o amor verdadeiro e a possessividade. Para Fromm, o amor genuíno é um ato de dar, um movimento de se abrir para o outro sem buscar possuí-lo ou controlá-lo. Quando o amor se degenera em possessividade, ele deixa de ser um ato de liberdade e se torna uma forma de egoísmo. A violência, nesse cenário, é uma expressão última do fracasso do amor em sua forma mais pura, um sinal de que o desejo de controlar superou o desejo de se conectar genuinamente.
Em “Além do Bem e do Mal” de Friedrich Nietzsche há um desafio que nos faz repensar as motivações por trás das ações humanas, incluindo o amor. Para este pensador, a vontade de poder pode se infiltrar nas relações pessoais, transformando o que deveria ser uma troca de carinho em uma batalha pela dominação.
Quando o amor é confundido com posse, ele se torna uma expressão dessa vontade de poder, onde a violência surge como um meio de afirmar a superioridade sobre o outro. Nietzsche nos lembra que o verdadeiro amor deve transcender essa vontade de poder, promovendo uma relação de respeito mútuo e crescimento conjunto.
Ao refletirmos sobre a violência em relacionamentos pessoais, é essencial reconhecermos que o amor autêntico não deixa marcas no corpo, mas sim no coração, como um vínculo que eleva ambos os parceiros. Quando o amor se torna uma questão de posse, ele perde sua essência e se transforma em algo destrutivo. A filosofia, tanto do passado quanto do presente, nos oferece “insights” valiosos sobre a necessidade de cultivarmos relacionamentos baseados na liberdade, respeito e verdadeira compreensão mútua, em vez de ceder às tentações do controle e da violência.
* Jornalista, Radialista, Filósofo.
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