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Eu vi o mundo... ele começava no município

Daqui a poucas semanas, os eleitores estarão nas urnas elegendo os seus prefeitos e vereadores. A importância das eleições municipais é imensa. Sobretudo pela ótica do “municipalismo”, a tendência que valoriza o município como base para transformações sociais, bastante difundida em países como Bolívia e Espanha.

Assim como uma startup inova com mais facilidade do que uma grande empresa, os municípios têm vantagens sobre o governo federal e estaduais para a criação de políticas inovadoras. Isso se deve à melhor compreensão das necessidades locais; à flexibilidade administrativa e menos burocrática; e à possibilidade de testar as políticas em menor escala, antes que sejam ampliadas em âmbito estadual ou nacional.

Justamente por isso, enquanto os municípios se destacam pela criação de políticas fora da caixinha, o mais eficiente para União e Estados nem sempre é sair à procura de soluções mirabolantes, mas copiar políticas municipais que deram certo.

O programa “Escola em Tempo Integral”, baseado em jornada ampliada, valorização dos professores e envolvimento da comunidade, colocou Sobral (CE) entre as cidades com os melhores índices de educação básica no país. E é o exemplo que inspira a atual gestão do Ministério da Educação, encabeçada pelo ministro Camilo Santana (ex-governador do Ceará) e a secretária-executiva Izolda Cela (ex-secretária de Educação de Sobral).

O “Bolsa Escola”, um programa de transferência de renda condicionado à frequência escolar de crianças e adolescentes, redefiniu os índices de evasão escolar e de pobreza do Distrito Federal. O mesmo programa seria implementado em nível federal pelo então presidente FHC, e em seguida transformado no Bolsa Família pelo presidente Lula.

Já o “Orçamento Participativo”, implementado pela prefeitura de Porto Alegre (RS), permitiu que a população opinasse e decidisse como o orçamento municipal seria investido. A política foi premiada pela ONU e replicada em mais de 100 municípios do Brasil, além de países como Alemanha, Argentina, Colômbia, Equador, Espanha, França, Itália, Peru, Portugal e Uruguai.

Experiências assim nutrem esperanças para as próximas gestões municipais. É isso que se espera dos gestores eleitos: o desenvolvimento de políticas inovadoras, obviamente sem abrir mão do básico - calçadas sem buracos, prevenção a enchentes, iluminação pública, coleta de lixo, postos de saúde abertos, transportes coletivos pontuais etc.

Só que para isso não basta que os eleitores elejam bons prefeitos e vereadores. Para além das boas ou más escolhas do eleitorado, os municípios enfrentam crescentes limites financeiros - e não é à toa que as políticas descritas acima foram lançadas há mais de duas décadas.

A razão disso é o colapso do pacto federativo, tal como estabelecido pela Constituição de 88, baseado em competências comuns e concorrentes entre União, estados e municípios.
A partir de então, a União passou a contar com o auxílio dos municípios para a execução das políticas desenhadas pelo governo federal. Só que a descentralização administrativa não foi acompanhada de descentralização fiscal.

De um lado, a União centraliza a receita tributária. De outro, as transferências da União para municípios são insuficientes, já que o valor repassado é menor do que o necessário para a execução das políticas (como reconhecido pelo STF na ACO 2178).

Assim, os custos das políticas públicas foram sendo pouco a pouco repassados para estados e municípios, a exemplo dos gastos com serviços públicos de saúde, em que a participação da União passou de 45% (2012) para 37% (2022).

É preciso aprimorar o pacto federativo a fim de assegurar a autonomia financeira, administrativa e política dos municípios – afinal, sem isso, faltam meios para que os gestores municipais apliquem a criatividade que já resultou em inúmeras políticas transformadoras.


* Advogado, filósofo e diretor da Câmara de Inovação Brasil-Portugal.

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