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OPINIÃO

O aspecto genocida do nosso sistema previdenciário

Desde o início da década de 80 do século passado, passou-se a insistir em reformas previdenciárias. Passando por aquela de 1984, pelos pormenores consolidados na constituição de 1988, pela reforma de 1998, pelos ajustes de 2002, de 2013 e pela última, a reforma de 2019, todas, sem exceção, visavam “ajustar” as despesas às receitas.

Possivelmente os responsáveis pela tarefa entendiam que previdência é como uma poupança comum que um indivíduo faz durante seu tempo produtivo para arcar com as consequências de envelhecer e poder desfrutar de um conforto e uma reserva para pagar os remédios que precisará tomar.

Uma solução, que foi adotada, no ano de 2008, foi a criação de um fundo soberano (quantos sequer ouviram falar o que é isto, quanto mais compreendê-lo). O fundo, prudentemente administrado, teria evitado a reforma de 2019, a que tinha a mais cruel e radical de todas as propostas.

Na reforma de 2019, em seu texto original, previa-se atingir todos os privilégios que foram mantidos nas propostas anteriores e uma atenuação de R$ 100 bilhões no déficit previdenciário anual por dez anos, algo que, com um modesto crescimento econômico, tornaria o “problema da previdência” uma coisa inexpressiva e desnecessária.

Voltando ao fundo soberano, ele foi constituído, mantido e usado, mas, em 2018 ele foi extinto. Ele volatilizou-se em cima do próprio fundamento que o gerou: capitalizar a previdência. Não é objeto desta narrativa, apontar o porquê do insucesso obtido.

Certo é, porém, que muitos dos que se beneficiaram no processo de sua existência sequer sabiam de onde vinham os recursos para as suas propostas, que foram bancadas com aquela dinheirama. Para se ter uma ideia, o tamanho das reservas do fundo equiparava-se às reservas cambiais do país. Em suma, o fundo soberano foi completamente desviado do seu propósito inicial.

Mas, voltando-se ao mérito do texto, vejamos quais os dispositivos que nortearam as reformas: postergar o tempo de permanência no emprego ativo, mantendo a receita do caixa, atenuando um aumento na conta a pagar e diminuir ainda mais o número de concessão dos benefícios.

Ficou famosa aquela votação em 1995, na qual um deputado paulista, de 42 anos, arrependeu-se do seu voto e foi pedir para revê-lo porque contrariava o interesse do idealizador da reforma, um aposentado ainda jovem, que era do mesmo partido que o seu.

O presidente da sessão que contava, na época, com 55 anos, não pediu a revisão. Não aprovar os 65 anos para concessão lhe era agradável e o problema ficou com o mais jovem, que só após 13 anos chegaria à sua idade, uma brilhante escapulida.

No início da 2ª década deste novo século, alguma coisa motivou a que se revisse a instrução constitucional, a aposentadoria compulsória, antes fixada em 70 anos. Ela foi prorrogada para 75. Em 2013, no apagar das luzes daquele ano, foi aprovada a “PEC da bengala”, como ficou conhecida a medida referida anteriormente.

Há aspectos positivos e negativos nestas medidas. Não, necessariamente, um ser humano se torna inútil por ter chegado e passado, um pouco, dos 70 anos. O fato é que, pelo que vemos, há um mérito real para se fizer uma concessão de um benefício previdenciário, mas, aos 70 anos, existem pessoas que trabalhavam desde os 18 anos, 52 anos de vida útil para o país. Deve-se estar cansado numa circunstância desta. Além do mais, qual a expectativa de vida que tem uma pessoa que passou dos 70 anos?

Estamos vendo que todas as medidas tomadas para se enfrentar o problema do envelhecimento das pessoas e da sua dependência em relação à questão previdenciária levaram o país a um labirinto: as pessoas mais velhas tiveram e terão que trabalhar mais, se possível, até o dia em que morrerão.

A vinculação de um aumento significativo nos benefícios a um crescimento, que não se experimentou e que, parece, não virá tão cedo, proporcionou às pessoas, no ocaso de suas existências, não suportarem a sí próprias, por perda de poder aquisitivo.

Os idosos têm aumento de despesas com a saúde e com o déficit de formação escolar, deficiência consequente da qualificação.  O sistema previdenciário se tornou crítico porque aumentou a dependência dos jovens junto aos mais velhos. Filhos chegam a ultrapassar 40 anos sem um trabalho formal e não saem da dependência dos pais ou avós.

Todos estes aspectos, todas as consequências que constatamos, indicam que as pessoas mais velhas, hoje, passam a ter um encargo que jamais imaginavam. Não poder ter um descanso por alguns anos a mais como antes sonhavam, lá atrás, quando começaram a trabalhar.

Ter que continuar trabalhando até o fim de suas vidas se quiserem viver mais, mas, sem oportunidades, porque está incrustado na mente do povo brasileiro que os velhos para nada mais servem. No fim, conglomerando todos estes fatos, perguntamos: é ou não genocida qualquer reforma previdenciária promovida ou que se venha a promover?


 

*Engenheiro

**Professor da UFPE


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