Sáb, 13 de Dezembro

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opinião

O dia em que a Câmara calou a democracia

A imagem é quase simbólica. Câmeras desligadas, jornalistas expulsos e um parlamentar sendo arrastado por homens de terno que lembram seguranças de regimes sombrios do passado. Tudo isso no coração da democracia brasileira, ou no que restou dela. A Câmara dos Deputados, que deveria ser o palco da transparência, avançou no sentido contrário e optou por esconder o que fazia, sustentada pelo silêncio conveniente de seu presidente, Hugo Motta.

A confusão começou quando o deputado Glauber Braga ocupou a cadeira da presidência. O gesto é politicamente questionável, assim como foi, semanas antes, a ocupação ilegal da mesma mesa por parlamentares bolsonaristas que permaneceram ali por dois dias sem qualquer punição. A lei continua tendo lado. Mas se o ato de Glauber merece críticas, a resposta institucional ultrapassou limites aceitáveis e expôs um padrão que não combina com o ambiente democrático que deveria prevalecer naquela Casa.

O sinal da TV Câmara foi cortado pouco antes das agressões da polícia legislativa, e jornalistas foram expulsos do plenário. Empurrados e tratados como intrusos numa casa que deveria ser deles, a casa do povo. A narrativa oficial fala em proteger a democracia do autoritarismo, difícil não rir, ou chorar, diante do cinismo. Não existe democracia onde a imprensa é calada, onde a informação é vista como ameaça e onde a força tenta substituir o debate público.

Como se a noite não bastasse, o dia seguinte expôs ainda mais o nível em que a instituição caiu. Um vídeo amplamente divulgado mostra parlamentares admitindo acordos com o presidente da Câmara dos Deputados em troca de emendas milionárias. Nada novo, apenas a continuidade de práticas antigas, agora a serviço de um projeto mais sombrio. Eles tentam amenizar a punição de um grupo que tentou dar um golpe de Estado usando violência extrema e destruindo patrimônio público. Planejaram, até, assassinar o Presidente da Republica e seu vice, além de um integrante da Suprema Corte.

Haverá quem diga que excessos precisam ser apurados. Mas nenhum líder comprometido com a democracia deixa a imprensa do lado de fora, nenhum presidente da Câmara permite que a força fale mais alto que o regimento, nenhum defensor da liberdade de expressão desliga o sinal da TV quando a realidade se torna inconveniente ou expõe alianças que não deveriam existir. Esse movimento revela algo ainda mais profundo, a destruição lenta e persistente da confiança pública, um desgaste que reduz o debate a um jogo de interesses privados, distante do bem comum.

A verdade é simples, o que vimos não foi exceção, foi sintoma. Um Parlamento que relativiza a violência, normaliza a censura, negocia a portas fechadas e escolhe quem participa do debate não é saudável. O país precisa prestar atenção enquanto ainda há tempo para evitar que a democracia se transforme em cenário iluminado, porém vazio por dentro, como outros momentos que já vimos e que terminaram de forma amarga.
 


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