Logo Folha de Pernambuco
OPINIÃO

O feitiço de Macron

Ortolan é um passarinhozinho, do tamanho de um canário. Iguaria típica da culinária francesa, virou coisa proibida por pressão dos ambientalistas. 

Os passarinhos são capturados, os olhos furados a alfinete e alimentados com cereal para engordar. Uma vez no ponto, os bichinhos são depenados vivos, afogados em armanhaque e grelhados. Diz a lenda que, ao comer ortolans, é preciso cobrir a cabeça com um guardanapo grande para esconder de Deus tamanha atrocidade.

Foi com ortolans que o ex-presidente François Mitterrand fechou com chave de ouro sua última ceia antes de morrer de câncer de próstata em 8 de janeiro de 1996, em Paris, aos 79 anos. 

Mitterrand, o 1º presidente socialista da França, chegou ao poder em 1981 depois de perder duas eleições. Veio para o Partido Socialista meio que empurrado pela sua oposição ao general Charles de Gaulle, fundador da 5ª República e líder da resistência francesa à ocupação alemã. Antes, flertou com a direita e o governo de Pétain, simpático ao nazismo durante a 2ª Guerra.

O francês representou uma esquerda sofisticada, embora tenha aberto o caminho para o surgimento da atual esquerda francesa liderada por Jean-Luc Mélenchon e sua Nova Frente Popular. É sempre lembrado pelo charme e pelas crises políticas enfrentadas durante os seus 14 anos como inquilino do Palácio do Eliseu. Teve 7 primeiros-ministros, dentre eles 2 de oposição: Jacques Chirac, que viria a sucedê-lo na Presidência, e Édouard Balladur.

Acima de tudo um antigaullista, seu governo investiu em programas sociais e iniciou um processo de tolerância para com muçulmanos, criando o Instituto do Mundo Árabe. Foi o início de um movimento batizado de islamoesquerdismo pelo professor Pierre-André Taguieff em seu livro “A nova judeofobia”, publicado no início dos anos 2000.

A esquerda francesa enxergou nos muçulmanos um potencial eleitoral e entendeu que quanto mais imigrantes, mais votos. A eleição de 7 de julho mostrou o quanto a esquerda de Mélenchon, reiteradamente acusado de antissemitismo, cresceu com o voto dos filhos e netos de imigrantes islamitas. Eles deram à Nova Frente Popular o 2º lugar no resultado final, com 7 milhões de votos, ficando o Reagrupamento Nacional de Marine Le Pen, de direita, em 1º, com 8,7 milhões. O centrista Juntos, do presidente Emmanuel Macron, recebeu 6,3 milhões e terminou em 3º. Já Os Republicanos, de tendência gaullista, teve 1,4 milhão de votos.

Embora a narrativa da esquerda global tenha difundido que a vitória da frente de Mélenchon foi acachapante, a realidade é muito diferente. Primeiro porque Macron foi vitorioso no seu feitiço de dividir o eleitorado, especialmente a direita, sabendo que o espantalho da esquerda surgiria logo ali, passado o 2º turno. 

Segundo, a tendência agora é que Macron se alie à direita gaullista para manter o governo do primeiro-ministro Gabriel Attal, ou seja: seguir no controle da governabilidade. Mas não será fácil, porque ele e a esquerda se detestam.

A derrota de Macron nas eleições parlamentares europeias exigiu uma decisão rápida. E ele a anunciou logo após conhecidos os resultados, convocando eleições parlamentares. Sua intenção era cortar o embalo do Reagrupamento Nacional de Le Pen e o resultado até agora foi um sucesso. O problema começará quando Macron agir para isolar os 2 extremos. Como não pode convocar novas eleições pelo prazo de 1 ano, terá de administrar um provável caos legislativo capaz de comprometer sua governabilidade.

Macron é sócio do Rothschild, um dos bancos mais tradicionais da Europa, com mais de 200 anos. Tem cabeça de banqueiro -e banqueiro, como todos nós sabemos, nunca joga para perder. Eles precisam ganhar sempre. Ele é, salvo engano, o 2º presidente ligado aos Rothschild. O 1º foi Georges Pompidou, parceiro de Charles de Gaulle. Ambos governaram por mais de uma década e Pompidou soube manobrar os políticos e o eleitorado, garantindo o poder a De Gaulle, se tornando seu sucessor e morrendo na Presidência em 1974.

A diferença entre Mitterrand, Pompidou e Macron é o quanto cada um fez a França prosperar. Como um dos principais líderes do gaullismo, o mesmo que embala hoje o partido de Le Pen e Os Republicanos de Éric Ciotti e Annie Genevard, Pompidou seguiu no embalo de De Gaulle e transformou a França numa grande potência econômica e industrial. Em 1973, sob Pompidou, a França cresceu 6,3%. Em 2022, governada por Macron, cresceu apenas 2,6%. E, neste ano, deverá crescer 0,8%. Não é por acaso que Paris virou um grande acampamento dos sem-teto.

Os números mostram o tamanho da confusão que pode vir por aí. Um país com dificuldades econômicas terá uma pressão gigante de uma esquerda comprometida com o aumento do gasto público, seja para benefícios sociais, seja para acomodar uma política de mais imigração -o que no fundo não passa da importação de eleitores simpáticos à esquerda, mas que não compartilham dos seus ideais contidos nas pautas de costumes. Os muçulmanos são conservadores, porque são guiados pelas leis do Islã.

A França, assim como boa parte do mundo ocidental, está carente de estadistas. Esse vácuo se repete na Inglaterra, Espanha, Alemanha e nos Estados Unidos. A luta não é mais entre direita ou esquerda, mas entre os defensores da prosperidade, os fazedores, e aqueles cuja fonte primária de poder é a escassez e a pobreza.

O risco que os franceses correm diante das tensões políticas previstas para os próximos meses é o de acabar como um bando de ortolans. Cegos, depenados e prontos para serem devorados, seja pela esperteza de Macron ou pela onda migratória imparável. Difícil será esconder de Deus tamanha atrocidade.



*Jornalista

- Os artigos publicados nesta seção não refletem necessariamente a opinião do jornal. Os textos para este espaço devem ser enviados para o e-mail cartas@folhape.com.br e passam por uma curadoria para possível publicação. 

Veja também

Newsletter