Seg, 08 de Dezembro

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opinião

O fenômeno "Legendários" e o novo rosto do assédio moral nas empresas

O movimento cristão “Legendários”, fundado na Guatemala e difundido no Brasil com apoio de figuras como Thiago Nigro, Neymar pai e Eliezer, viralizou por eventos de “transformação masculina” que misturam espiritualidade e desafios físicos como trilhas e subidas em montanhas. O que antes se restringia ao universo pessoal e religioso de seus participantes começa a invadir o ambiente corporativo: funcionários de grandes empresas relatam pressões diretas de gestores para participar do movimento. As dinâmicas envolvem atividades e pregações religiosas, sob o pretexto de desenvolvimento pessoal ou liderança transformadora.

É preciso nomear o que está ocorrendo: assédio moral disfarçado de coaching espiritual. A prática é grave e ilegal. Obrigar ou constranger um trabalhador a participar de evento que envolve convicções religiosas ou exigência física fora do escopo contratual viola direitos fundamentais como liberdade de consciência, autodeterminação e dignidade.

Do ponto de vista jurídico, há um paralelo com o assédio eleitoral e o assédio religioso, quando empregadores tentam influenciar o voto ou impor uma fé. E não é necessária uma ordem explícita: a indução, num ambiente de subordinação, já pode configurar coação — sobretudo quando a recusa gera prejuízo direto ou simbólico ao empregado. A jurisprudência é clara: práticas que obrigam o trabalhador a aderir a valores alheios à vida pessoal e sem relação com suas funções são abusivas e indenizáveis.

Empresas que permitem — ou promovem — esse tipo de conduta estão criando um passivo trabalhista grave. E a responsabilidade recai tanto sobre o gestor direto quanto sobre a corporação que se omite.

Envolver Deus, montanha e superação não torna menos abusiva a imposição de experiências estranhas à vontade e ao contrato de trabalho. Subir montanhas pode ser bonito nas redes, mas no direito do trabalho, ninguém é obrigado a seguir o líder até o topo.
 

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