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OPINIÃO

O IAHGP e a Confederação do Equador

O Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano (IAHGP, 1862), fiel aos seus princípios e à história, realizou, em conjunto com o Instituto do Ceará (Histórico, Geográfico e Antropológico; assim se identifica o coirmão estadual), o “Seminário Comemorativo dos 200 anos da Confederação do Equador (1824-2024)”, nos dias 2 e 3 de julho, na cidade do Recife, em sua sede, no belo casarão da antiga Rua do Hospício (que necessita dos cuidados da PCR, urgente), no bairro da Boa Vista.   

Convidado pelo amigo e advogado Maurício Barreto Pedrosa Filho, membro do IAHGP e vice-presidente do Instituto Histórico de Olinda (IHO), para lá me dirigi, como ouvinte, nas datas e horas marcadas, para assistir ao Seminário. Coube aos membros da entidade pernambucana, o escritor Sílvio Amorim, atual vice-presidente, e ao historiador e professor George Cabral, presidir as sessões e coordenar as palestras e debates, respectivamente.  

Colocada entre as efemérides de destaque no estado de Pernambuco, comemorar o simbólico bicentenário da Confederação do Equador é relembrar e reconhecer o papel fundamental que esta revolução (começou em 02/07/1824), de certo modo inspirada nas experiências do iluminismo francês que à época moviam os intelectuais e a política em diversos lugares, teve, não só em resgatar as raízes da brasilidade (Guararapes, foi a semente), mas, sobretudo, para combater o autoritarismo do imperador D. Pedro I, após a independência do Brasil, quando, em 1823, fechou a Assembleia Constituinte e impôs a sua própria Constituição, em 2024; um contraponto, inexplicável, ao que politicamente pactuara e ao que ansiavam as nações do mundo ocidental, no período. Por trás desses acontecimentos, os assuntos mal resolvidos da Revolução de 1817, notadamente as questões das práticas centralizadoras e econômicas prejudiciais às províncias da região, alimentaram a iniciativa dos líderes revolucionários.  

O chamado movimento Confederação do Equador foi organizado na cidade do Recife, por líderes pernambucanos, com constituição e bandeira. Logo recebeu a adesão da Paraíba, do Rio Grande do Norte e do Ceará. Estas províncias concordavam com as motivações e os ideais divulgados. O principal líder do movimento foi o Frei Joaquim do Amor Divino (Recife, 20/08/1779 - 13/01/1825), mais conhecido como Frei Caneca, ao lado de outros como Manuel de Carvalho e Gervásio Pires. Vinculado à Ordem dos Carmelitas, e figura ativa da Revolução de 1817, Frei Caneca era um ator de muitos conhecimentos e de visão avançada. Além das atividades eclesiásticas, revelou-se um intelectual de ideias liberais, maçom, jornalista (criou o jornal Tiphys Pernambucano), gramático, professor (ensinou geometria e filosofia) e político. 

Os principais objetivos da Confederação eram: a construção de uma nação democrática, republicana e federativa, socialmente justa e o fim da escravidão. Os desafios podiam até assombrar, mas os sonhos e a consciência sobre a realidade vigente foram o estímulo para a busca de novos caminhos pátrios, à parte das persistentes amarras colonizadoras, (que iriam persistir), em um país que se dizia independente; caminhos estes que só foram consolidar-se e encontrar teto tempos depois, a partir da Proclamação da República - apesar de algumas intercorrências acontecidas, todas elas até aqui superadas, com os mesmo brios pretéritos revividos nesta saudosa pauta, a exemplo da última ocorrida, a famigerada “tentativa” recente, neste moderno século XXI.  

Ocorre que a reação do poder imperial foi imediata e massacrante. Com um contingente regular de soldados formados e disponíveis, e o apoio de forças mercenárias externas contratadas, atacou o Recife e outras regiões confederadas, pondo fim ao movimento revolucionário (não as ideias). Os líderes e colaboradores do movimento foram presos e severamente tratados e penalizados, até com o extermínio da vida. Dois protagonistas revolucionários foram carregados com o maior peso da vingança imperial: o líder Frei Caneca, com uma execução exibicionista, e a província de Pernambuco, a matriz, que já perdera a comarca das Alagoas devido a 1817, fica sem a comarca do São Francisco (região hoje pertencente ao Estado da Bahia).   

Imaginemos o clímax, no final dessa tragédia, na cidade do Recife, no dia 13 de janeiro de 1825, com o povo indignado assistindo o suplício de Frei Caneca. Ele, uma pessoa sana, e deveria se achar sano, pronto para viver e servir à nova pátria independente, democrática e republicana, agora estava nas mãos truculentas dos seus algozes, despojado de suas vestes, com uma corda no pescoço a caminho do cadafalso ao lado do Forte das Cinco Pontas, no bairro de São José, com vista para os arrecifes, impossibilitado de um indulto, após ser condenado à morte em um julgamento, diga-se: sumário, pelo regime absolutista… com o tempo sem fazer mais sentido, enfrentava tudo com a coragem de um libertador, de verdade.

Talvez, quem sabe, no momento da conturbada atitude limite, fatal, dos seus carrascos, Frei Caneca pensou como disse um personagem (sem nome), numa cena semelhante, exceto as causas, na novela “O último dia de um condenado” (1829), do escritor francês Victor Hugo (um espiritualista e ativista social contrário à pena de morte), ambientada em Paris, na Parte XV: [...] “tenho uma doença, uma doença mortal, uma doença feita pelas mãos dos homens”. …A vida cessou. Seu nome faz parte do Panteão da Pátria.

A ocasião do Seminário foi uma boa oportunidade para visitar, mais uma vez, ou a primeira vez para quem não conhecia, o museu do IAHGP, em cujo acervo há preciosos equipamentos, utensílios, manuscritos e imagens relativas à história pernambucana, provas incontestes de importantes acontecimentos que forjaram a nacionalidade brasileira e o espírito de liberdade do nosso povo, de valor incomensurável, merecedores de uma atenção especial e do apoio das autoridades e da sociedade, para preservação. Como escreveu Miguel de Cervantes (29/09/1547 - 23/04/1616), no Dom Quixote de la Mancha (1605, Cap. IX, Primeira Parte), [...] “é a história, êmula do tempo, depósito das ações, testemunha do passado, exemplo e aviso do presente, advertência do porvir”. 

 

* Administrador de empresas (UFPE), cervantista ([email protected])

 

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