O mundo natural e o artificial (II)
Não adianta reclamarmos do mundo em mudança. Há um fetiche nisso a partir de nossa evolução racional, muito mais ainda a partir do iluminismo, que se arvorou em ser capaz de resolver os problemas humanos apenas com a razão. Um dos últimos “hypes” está no tal tema da “decolonialidade”. Sobre isso tenho opinião diversa por entender que, em se tratando de ser humano, nunca haverá algo de original, inato, a nos pertencer ou restar, pois somos a prova “Darwiniana” da vitória da adaptação, quando mudanças ocorrem e alteram nossos padrões. Quando o “Sapiens” avançou da “África” para “Europa” a primeira “colonialidade” se estabeleceu e se firmou, na medida em que artefatos, tecnologias e conhecimentos se sobrepuseram aos dos “Neandertais”, cuja miscigenação está embutida em nós, faz tempo, e foi precisamente isto que nos fez transformar em outra tipologia de ser. Desde então, nunca mais o mundo natural foi mesmo. Esse novo ser passou a usar técnicas diversas e elas passaram a mudar os outros seres na face da terra.
Para não ser tedioso, darei um “salto” quase “quântico” narrativo, para um tempo mais recente. A conquista espanhola das américas. O encontro do Imperador Inca, Ataualpa com o conquistador espanhol Francisco Pizarro, em 16 de novembro de 1532. Pizarro, representante do Imperador Católico Carlos V - também conhecido como Carlos I da Espanha, liderou 168 esfarrapados soldados espanhóis, contra Ataualpa, monarca absoluto do maior e mais adiantado estado do novo mundo, com a presença de mais de 40.000 mil homens. O que ocorreu? O mesmo de outrora e sempre. Uma outra cultura se estabeleceu por possuir mais tecnologia. Não há nesse fato algo idílico ou catastrófico, pois os mesmos Incas, usavam suas “tecnologias” para sobrepujar outras tribos, que ao Império Inca se submetiam, inclusive em sacrifícios, tal qual os Maias e Astecas também o fizerem em relação a outras culturas.
Essa “alegoria” é para entendermos que a relação do ser humano com a técnica e com as tecnologias sempre existiu e não vai parar com a Inteligência Artificial. Os “Novos Sapiens” serão os mesmos que terão, na ferramenta da inteligência artificial, os artefatos necessários para sobreviver num mundo onde, as pessoas que não conseguirem se “Integrar”, viverão como “Apocalíptcos” - vide Umberto Eco. Não teremos como fugir disso. Mas não se desesperem, a nossa substituição se dará, não em função da ausência de uma nova racionalidade, do mais inteligente ou menos inteligente. Não será isso, mas ao contrário, ocorrerá aos integrados e adaptados, cujo efeito da técnica sobre si irá transformá-lo em um novo humano, condizente com o novo mundo ainda por vir.
Da mesma forma que a invenção da prensa (tecnologia) possibilitou o acesso de muitos à leitura e conhecimento, ao criar formas na disseminação de técnicas (escrita), antes privilégio guardado a poucos em Mosteiros/Bibliotecas, ao criar funções e ocupações, antes nunca imaginadas, assistir esse momento da humanidade, no qual o cyberespaço permite o acesso de muitos a uma infinidade de informações, modificando a comunicação da humanidade sem filtros, é um privilégio com o qual as novas gerações saberão lidar muito mais que as anteriores (Boomers e X) ainda afeitas a um modelo de controle e a um niilismo em relação a um tempo que não voltará.
A rigor, o problema da humanidade é que “ ... temos emoções paleolíticas, instituições medievais e tecnologias divinas ...”, na brilhante sacada do biólogo Edward Osborne Wilson. Nessa quadra, “Apocalípticos” entoam o terror da necessidade de restrições, preconizando um futuro sombrio. Não sou tão assim, sei, é claro que pessoas continuarão se adaptando mais ou menos, cabendo a essa nova humanidade buscar alternativas que permitam ao desenvolvimento tecnológico incluir mais, que afastar.
A história é uma narrativa de constante adaptação e transformação. As tecnologias que moldaram nossas sociedades no passado continuam a fazer o mesmo hoje, e assim será no futuro. A inteligência artificial, como tantas inovações anteriores, é uma ferramenta que potencializa nossas capacidades e redefine nossos limites. Contudo, ao invés de temermos as mudanças, devemos abraçar a oportunidade de evoluir com elas. Nossa habilidade de adaptação, que nos trouxe até aqui desde os primórdios, será novamente nossa maior aliada. O verdadeiro desafio será usar essa tecnologia para promover inclusão e equidade, evitando que a divisão entre integrados e apocalípticos se torne insuperável. Assim, podemos sonhar com um futuro plural, sem perder de vista os valores fundamentais que nos tornam humanos.
*Advogado e Especialista em Transformação Digital