O que o esporte tem a nos ensinar sobre gestão?
Quando visitei Bangladesh em 2004, muitas pessoas pensaram que eu já havia conhecido vários países "normais" e estava agora em busca do exótico. Ledo engano. Aquela foi minha primeira viagem internacional, e não poderia ter começado melhor! Os aprendizados foram riquíssimos e ainda estão sendo digeridos. A riqueza de experimentar uma cultura tão diversa tem rendido dividendos até hoje, e me animou a fazer outras viagens.
Aprender sobre novas culturas e refletir sobre como funciona a mente de pessoas formadas em contextos diferentes sempre me inspirou. Já visitei Senegal, Índia, uma tribo Yanomami na Amazônia, o interior do Peru, entre outros lugares.
Essas experiências me permitiram observar as peculiaridades culturais de cada local, refletindo sobre a forma como as pessoas estabelecem valores e enxergam a vida. Foi essa curiosidade e abertura para diferentes perspectivas que me levou a encontrar paralelos entre essas vivências culturais e o mundo dos esportes.
Sendo um apreciador de esportes, especialmente futebol e basquete, fiquei intrigado ao ler uma citação de Carl Sagan: “Como nossas paixões pelos esportes são tão profundas e amplamente distribuídas, é provável que façam parte do nosso hardware – não estão em nossos cérebros, mas em nossos genes”.
Tendo visitado os EUA algumas vezes, comecei a observar diferenças na abordagem de trabalho entre a cultura empresarial americana e a brasileira, o que me levou a criar uma hipótese: alguns aspectos do esporte nos influenciam mais do que imaginamos.
A possibilidade de empate
Na maioria dos esportes, existem apenas duas possibilidades de resultado: ganhar ou perder. As regras não permitem empates, mesmo que sejam necessárias várias prorrogações para definir o vencedor. No futebol, a possibilidade de empate faz com que muitas equipes se limitem a se defender, visando “não perder”.
Isso pode levar a jogos medíocres, onde o empate é “interessante” para ambos os lados. Pergunto: nós brasileiros, amamos o futebol porque “somos assim” ou o futebol nos faz ser como somos? Nos condicionarmos desde cedo a só ganhar ou perder pode nos tornar mais intencionais em marcar pontos, evitando aguardar um “honroso” empate?
A construção do placar
No basquete, os placares são elásticos, construídos ao longo de toda a partida, com estratégias revisadas constantemente. No futebol, a imprevisibilidade é maior: um time inferior pode derrotar seu adversário em um lance de sorte.
E se aprendêssemos que o sucesso de uma empresa está mais associado à disciplina e cadência, marcando pontos todos os dias, e não em um momento de rara felicidade?
Tempo para definição de jogada
No basquete, cada jogada precisa ser definida em 24 segundos, impedindo a procrastinação. Isso cria um senso de urgência e foco no objetivo final – vencer. No futebol, há uma demora ilimitada, com trocas de passes sem objetividade.
Será que se tivéssemos um tempo limite para finalizar um chute a gol, desenvolveríamos uma propensão maior a pensar no objetivo final, influenciando a forma como as empresas são geridas?
A sorte e o acaso
No futebol, situações de sorte, como um gol contra, são comuns e podem gerar a expectativa de que o acaso pode ajudar. No basquete, o “poder do acaso” é praticamente nulo, exigindo precisão e muito treinamento. Na vida corporativa, o acaso pode eventualmente ajudar, mas os jogos e campeonatos são vencidos com uma boa estratégia, seguida à risca com disciplina.
Todos do time são importantes
A flexibilidade do basquete permite múltiplas entradas e saídas de jogadores, tornando o jogo dinâmico. Todos precisam estar aptos para contribuir, ainda que por poucos minutos. No futebol, um jogador de referência pode não entrar em campo uma só vez, enquanto no basquete todos contribuem efetivamente. Na construção de uma empresa, a clareza de que todos são importantes, independentemente de serem “ídolos intocáveis” ou não, é fundamental.
Ataque e defesa
No basquete, todos atacam e defendem, “flutuando” por todas as partes da quadra, enquanto no futebol há uma segregação clara entre defesa e ataque. A supervalorização do “ataque” pode atrapalhar na gestão das empresas. Será que o time comercial, que faz gols a todo momento, vale mais do que o time de engenheiros, que cria e aperfeiçoa o produto?
O poder da arbitragem
No basquete, a arbitragem tem menos impacto no resultado do jogo. As substituições são rápidas, e o tempo final de jogo não depende do bom senso do juiz. No futebol, o juiz pode influenciar o jogo, cadenciando-o mais ou favorecendo o time mais fraco. Na gestão, é importante não contar com um “décimo segundo jogador” que chegue aleatoriamente para ajudar.
E as lições importantes do futebol?
O futebol também tem lições valiosas. A falta de tempo técnico exige um time com espírito protagonista, capaz de tomar decisões em campo. A adaptabilidade é essencial quando um jogador é expulso ou as condições externas interferem no jogo. Essas características são cada vez mais exigidas nas empresas modernas.
Dessa forma, podemos analisar que tanto o basquete quanto o futebol têm ensinamentos valiosos para a gestão corporativa. Enquanto o basquete é uma fonte de inspiração para liderar times de alta performance, o futebol nos ensina sobre adaptabilidade e protagonismo. Entendermos e aplicarmos essas visões estratégicas ao universo corporativo é o que nos diferencia como gestor, líder e ser humano!
* Sócio e fundador da Bernhoeft.
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