Sáb, 13 de Dezembro

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opinião

O Sertão que ouve e ensina

O sertão não é um só. São muitos. São geografias, culturas e ritmos próprios que o mapa não descreve. Há o sertão do Araripe, onde a distância impõe coragem; o Pajeú, onde a poesia e a advocacia dividem a mesma vocação de resistência; o Sertão Central, marcado pela pecuária, pela agricultura e por uma capacidade permanente de reinvenção; o Sertão do São Francisco, moldado pelo rio que movimenta economias e encontros; e o Moxotó, com sua força histórica e social tão particular. Cada cidade revela uma região que existe, que pulsa e que precisa ser ouvida.

Nas últimas semanas, percorri milhares de quilômetros para levar a Ouvidoria da OAB Pernambuco até quem mais precisa ser escutado: a advocacia que sustenta a cidadania no interior do Estado. Em cada cidade, uma realidade distinta. Em algumas, a redução populacional e econômica; em outras, crescimento acelerado. No velho sertão, a seca. No novo, tanques de tilápia, painéis de energia solar, aerogeradores e plantações de coco. Existem quilombos, aldeias indígenas, oásis improváveis e, sobretudo, uma força humana que impressiona.

A advocacia sertaneja é, por necessidade, generalista. Lida com múltiplas áreas do Direito porque a especialização ainda é um luxo distante. Enfrenta longas distâncias até fóruns que não são centralizados. Trabalha sem delegacia especializada, sem IML em cidades que convivem com conflitos graves, sem estrutura compatível com a complexidade da vida real. E, mesmo assim, entrega muito: presença, coragem, compromisso e a justiça possível.

Voltar ao sertão também tem um significado íntimo. Foi em Araripina, há quase dez anos, que realizei minha primeira palestra, diante de uma plateia de mais de 400 pessoas que aguardava a caravana da OAB ao cair da noite. Ali compreendi, pela primeira vez, o tamanho do papel da OAB e o quanto servir transforma. De lá para cá, essa certeza só cresceu.

O projeto Ouvidoria Até Você nasceu da convicção de que as instituições amadurecem quando escutam. Escutar é compreender os desafios de cada comarca, cada fórum, cada corredor apertado onde a advocacia luta diariamente para garantir direitos. Escutar é reconhecer que Pernambuco tem muitos sertões, físicos, sociais e simbólicos, e que todos merecem atenção.

O sertão me ensinou que ouvir é mais do que um gesto de gentileza. É fundamento de justiça. Só julga bem quem conhece as distâncias, os silêncios, as urgências e os sonhos de quem vive longe da capital. E é na estrada, entre poeira e horizontes largos, que a gente entende que servir é, antes de tudo, um ato de presença.


* Advogada, professora, conselheira federal da OAB (2022/2025), ouvidora-geral e conselheira da OAB/PE, secretária-geral da Comissão Nacional de Direitos Sociais, mestre em Economia e Gestão Empresarial, especialista em Compliance, Privacidade e Proteção de Dados, dir. e proc. do Trabalho.

 

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