Dom, 21 de Dezembro

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opinião

Quanto a sociedade perde com a insegurança e a impunidade?

Poucos temas gozam de amplo consenso nos debates sobre segurança pública como o reconhecimento da crise que assola o sistema carcerário desde longo tempo. Superlotação e absoluta falta de controle estatal dentro das celas são problemas que parecem afetar a maioria dos estabelecimentos prisionais do país.

Mas se o problema é tão antigo e grave, o leitor pode se perguntar: E por que, de uma vez por todas, não se promove uma reforma estrutural e a construção de estabelecimentos penais como solução racional e óbvia para sanar o problema do déficit de vagas?

Um dos dilemas mais conhecidos contra esta solução seriam os custos necessários para construir prisões e para manter os criminosos no interior destas unidades. Não seria melhor investir na construção de escolas?, questionam alguns especialistas.

Na verdade, trata-se de um falso dilema, moralista e populista, como já disse há muito tempo o prestigiado jurista Miguel Reale em artigo publicado no jornal Estadão (1996), pois é um erro grave opor o investimento em segurança ao de educação, valores igualmente essenciais que devem ser atendidos de forma simultânea pelo Estado.

Reale rechaça a tese de que o criminoso é apenas uma vítima de carências sociais, argumentando que, embora a melhoria das condições de vida possa reduzir a criminalidade, ela jamais eliminará aqueles que delinquem por ganância ou outros desvios. Portanto, seria absurdo e irresponsável que governantes tratassem a construção de presídios e o fortalecimento da polícia como despesas secundárias, ignorando a segurança como um pilar fundamental.

Um aspecto frequentemente negligenciado neste debate público, consiste no fato de que uma legislação penal leniente como resposta à criminalidade violenta impõe à sociedade brasileira um conjunto de custos que vai muito além dos valores monetários mensuráveis para investir em presídios. Estes custos se manifestam em múltiplas dimensões - humana, social, econômica e institucional - e representam um fardo que recai desproporcionalmente sobre os cidadãos mais vulneráveis.

Um dos aspectos mais preocupantes é o ciclo de reincidência criminal facilitado por um sistema penal que falha em sua função incapacitante. Este ciclo de reincidência gera custos acumulados e crescentes para a sociedade.
Cada vez que um criminoso violento retorna às ruas prematuramente e comete novos delitos, multiplicam-se os custos com novas investigações policiais, novos processos judiciais, despesas de saúde com as vítimas, perda de produtividade econômica, entre outros.

A progressão de regime prematura e as saídas temporárias, por exemplo, geram um custo econômico duplo: o custo de manter um sistema prisional que não cumpre sua função incapacitante e o custo dos novos crimes cometidos durante os períodos de liberdade concedidos.

Ademais, quando a sociedade deixa de acreditar na capacidade do Estado de garantir justiça e segurança, surgem custos adicionais como aumento dos gastos com segurança privada, migração populacional de áreas consideradas inseguras, desvalorização imobiliária, perda de investimentos em regiões afetadas pela criminalidade, inflação decorrente do aumento dos preços dos produtos para compensar as perdas por furto/roubo, justiçamento privado e linchamentos.

Portanto, a sociedade não perde apenas com a insegurança; ela é devastada financeira e socialmente por ela. O verdadeiro ônus não está no orçamento para construir presídios, mas na decisão de não o fazer, deixando a população arcar com os custos imensuravelmente mais altos da violência, do medo e da desordem, pagando não apenas com seu dinheiro, mas com sua paz, com seu patrimônio e com suas vidas.

A resposta a indagação inicial — "Quanto a sociedade perde?" — encontra resposta em uma poderosa análise do economista americano Thomas Sowell. Para ele, o debate público frequentemente se perde em uma comparação falaciosa e irrelevante: o custo de manter um preso versus o custo da educação. A comparação correta, e a única que realmente importa, seria entre o custo de manter um criminoso preso e o custo de deixá-lo solto na sociedade.


* Promotor de Justiça, professor universitário, criminólogo e autor do livro “O Brasil prende demais?”. Pesquisador e especialista em Direito Penal e Processo Penal, com MBA em Gestão de Segurança Pública.


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