Tragédia carioca
Apesar do que sugere o título, este artigo não é sobre a operação policial no Complexo do Alemão.
Também não é sobre o número de mortos e feridos nesse confronto nem sobre as imagens de traficantes armados de fuzis e de drones jogando bombas na polícia.
É claro que tudo isso é chocante, pois ninguém de bom senso fica feliz com um quadro horroroso como tal.
Porém, a tragédia sobre a qual falo é a diária, é a quase invisível, que não está nas manchetes dos jornais, nas televisões ou nas redes sociais.
A tragédia a que me refiro é a humilhação, é a agressão, é a opressão que a presença perene do crime e a ausência, quase total, de estado, causam ao cidadão comum, especialmente aqueles que vivem nessas localidades.
Nesse cenário de quase inferno, comerciantes e moradores precisam pagar calados por “proteção”, o crime domina territórios, expulsa as pessoas de suas casas, rouba, determina toques de recolher e explora serviços, como os de fornecimento de gás, luz e internet.
Além disso, ergue barricadas, que impedem o direito de ir e vir, estabelece normas, executadas por tribunais do crime, tortura, prende, mata, ataca a polícia, contrabandeia armas, corrompe menores, abusa de mulheres, alicia e pratica um sem número de outras violações aos direitos humanos.
Nesse estado paralelo, não há paz, não há liberdade, não há direito à privacidade. Também não há propriedade, direito à saúde, à educação, à segurança, ao transporte público.
Nas favelas, não há sequer voto livre, pois nomes de candidatos são impostos às pessoas, como em um curral eleitoral.
A verdadeira tragédia carioca é a omissão dolosa da política, é a exploração da desgraça como argumento eleitoral, é o discurso hipócrita de quem exerce o poder desde muito tempo e, a cada evento de repercussão, em que pese a sua contumaz leniência com o crime, critica a polícia, mente sobre números de violência e promete ações que nunca adotou.
A verdadeira tragédia carioca é ver o poder central ignorar que o crime nas favelas não é uma ocorrência policial local e ordinária, relacionada “apenas” ao tráfico de drogas.
A verdadeira tragédia carioca é ver governos e políticos se negarem a classificar as facções, e os seus integrantes, como terroristas, de se omitirem ao dever de investigar as suspeitas de sua ligação com grupos terroristas internacionais e não cumprirem a obrigação de estabelecer normas e procedimentos para reprimir e punir adequadamente os ilícitos que tais organizações cometem em suas diversas atividades.
Mas não é só!
A verdadeira tragédia carioca é ver que, enquanto tudo isso acontece, no STF, processa-se a ADPF nr. 635, promovida pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), que, a pretexto de defender os direitos humanos e de combater a violência policial, criou uma série de embaraços ao trabalho da polícia nas favelas cariocas, a exemplo da proibição de a força pública subir, e até sobrevoar os morros, sem antes “comunicar” os seus planos de ações a diversos órgãos e autoridades.
Esse tipo de medida, que judicializa a política e politiza a justiça, além de uma evidente violação à separação de poderes e à autonomia do estado membro, é uma óbvia inversão de valores, na medida em que pressupõe, ainda que subliminarmente, que a polícia seria agressora e não protetora da sociedade.
O que se vive no Rio de Janeiro é uma guerra interna urbana, é um movimento terrorista armado, organizado e violento, que tem como objetivo a dominação territorial, que está se alastrando pelo país inteiro, expandindo os seus negócios, lavando dinheiro e se infiltrando na política e nas instituições, constituindo-se em uma concreta ameaça à soberania, ao estado de direito, à democracia e à segurança nacional.
Obviamente, algo dessa complexidade e gravidade não será contido na base do “jeitinho brasileiro”, do discurso ideológico, da canetada judicial arbitrária e da acomodação política.
A tragédia carioca é a tragédia brasileira, onde a política se afastou de seu propósito, misturou-se com a justiça, e se tornou parte dos problemas que deveria resolver.
O Brasil precisa enfrentar essa realidade e estabelecê-la como prioridade, sem o que, sob o domínio do crime, e ante a ausência do estado, jamais haverá “ordem e progresso”.
Um bom começo talvez seja reconhecer que a polícia, mesmo com os defeitos que tem, é a última, talvez a única, barreira entre o crime e o povo.
* Sócio do GCTMA Advogados, procurador aposentado do estado de Pernambuco, conselheiro de administração/IBGC.
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