Sáb, 13 de Dezembro

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Um novo olhar para a neurodivergência: o cuidado que enxerga a pessoa como um todo

O conceito de neurodivergência vem, felizmente, ganhando cada vez mais espaço nas conversas sobre saúde mental, educação e inclusão. Mas ainda é comum que o tema seja reduzido a diagnósticos médicos ou categorias clínicas, quando, na verdade, ele fala sobre maneiras singulares de perceber, sentir e estar no mundo. Ser neurodivergente é ter um funcionamento cognitivo e emocional que foge da média, e isso pode se expressar em condições como o Transtorno do Espectro Autista (TEA), o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), as altas habilidades ou a superdotação.

Apesar de muitos reconhecerem os benefícios da diversidade neurológica, uma pesquisa recente do Conselho Federal de Administração (CFA) mostra que apenas uma em cada dez empresas incorpora efetivamente a neurodiversidade em seus programas de inclusão. O dado é sintomático: ainda há um abismo entre compreender a importância do tema e construir ambientes que acolham as diferenças de forma concreta.

Essa lacuna se reflete também na saúde. Estudos internacionais e nacionais mostram que pessoas neurodivergentes estão mais suscetíveis a quadros de ansiedade, depressão e até suicídio, especialmente quando suas necessidades específicas não são compreendidas. É o caso, por exemplo, de adolescentes e adultos autistas de nível 1 de suporte ou de pessoas superdotadas, que muitas vezes enfrentam sobrecargas sensoriais, emocionais e sociais invisíveis.

Essas pessoas, ainda que apresentem autonomia aparente, convivem com barreiras silenciosas que corroem sua qualidade de vida. O desafio está em compreender que o cuidado não pode se restringir a intervenções isoladas. A resposta está em um modelo de cuidado transdisciplinar e multimodal, capaz de unir diferentes áreas do conhecimento em torno de um mesmo propósito: enxergar a pessoa em sua totalidade.

Não se trata de somar tratamentos, mas de integrar saberes. Um nutricionista, por exemplo, não atua desconectado do fonoaudiólogo, que trabalha a mastigação e a sensibilidade oral, nem do terapeuta ocupacional, que ajusta o ambiente, ou do psicólogo, que acolhe a ansiedade social. Juntos, esses profissionais constroem uma estratégia sinérgica, onde o progresso em uma área impulsiona avanços em outra.

Diretrizes internacionais, como as do National Institute for Health and Care Excellence (NICE), já reconhecem a eficácia de equipes integradas para o tratamento de TEA e TDAH. Revisões científicas publicadas em periódicos como Psychiatric Services também reforçam que as intervenções multicomponentes são mais eficazes na promoção da qualidade de vida e da inclusão do que nas abordagens fragmentadas.

Na prática, isso significa que o terapeuta ocupacional pode preparar o terreno para que o psicólogo avance na terapia da ansiedade; o neuropsicopedagogo adapta as estratégias cognitivas; e o orientador profissional ajusta o ambiente de trabalho às necessidades do indivíduo. É um cuidado que respeita o ritmo, o contexto e a singularidade de cada pessoa.

Para adolescentes e adultos neurodivergentes, sobretudo aqueles com nível 1 de suporte ou altas habilidades, esse olhar transdisciplinar é uma oportunidade de serem vistos em sua plenitude: com vulnerabilidades acolhidas e potencialidades estimuladas. Mais do que um modelo técnico, trata-se de uma postura ética e inclusiva, que coloca a pessoa, e não o diagnóstico, no centro do cuidado.

Num mundo que ainda insiste em padronizar o comportamento, o pensamento e a produtividade, valorizar a neurodivergência é reconhecer que a diferença é, também, uma forma de potência. E cuidar de maneira transdisciplinar é um passo essencial para transformar inclusão em realidade.


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