Paquistão e Índia estabelecem um 'cessar-fogo imediato'; entenda conflito
As hostilidades entre os países vinham se intensificando desde ataques contra turistas na disputada região da Caxemira, no dia 22 de abril
Paquistão e Índia concordaram com um "cessar-fogo imediato", disse o ministro das Relações Exteriores do Paquistão, Ishaq Dar, neste sábado (10), após uma série de confrontos entre as duas potências nucleares que deixaram mais de 60 civis mortos em ambos os países.
"O Paquistão sempre lutou pela paz e segurança na região, sem comprometer sua soberania e integridade territorial", disse Dar no X.
O presidente dos EUA, Donald Trump, divulgou em sua rede Truth Social sobre a trégua entre os países. "Após uma longa noite de negociações mediadas pelos Estados Unidos, tenho o prazer de anunciar que a Índia e o Paquistão concordaram com um cessar-fogo total e imediato", escreveu o presidente. "Parabéns a ambos os países por usarem bom senso e grande inteligência", acrescentou.
Segundo fonte do governo indiano, no entanto, o cessar-fogo foi negociado diretamente entre a Índia e o Paquistão.
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Até 1947, a Índia e o Paquistão faziam parte do mesmo território sob o domínio colonial britânico e, desde então, as relações entre esses dois grandes países do Sul da Ásia são sempre espinhosas. A Caxemira é uma região de maioria muçulmana dividida entre Índia e Paquistão, disputada por ambos os países desde que se tornaram independentes do Reino Unido em 1947. As hostilidades entre as duas potências nucleares aumentaram após um atentado em 22 de abril na parte indiana da Caxemira que provocou 26 mortos. Nova Délhi responsabiliza Islamabad pela ação, mas o Paquistão nega.
"O mundo não pode permitir um confronto militar entre Índia e Paquistão", disse Stéphane Dujarric, porta-voz do secretário-geral da ONU, António Guterres.
A disputada região da Caxemira é cenário de uma insurgência desde 1989 por parte de rebeldes que desejam a independência ou uma anexação ao Paquistão e que, segundo Nova Délhi, contam com o apoio de Islamabad.
Por que o país foi dividido?
A Índia sob controle britânico abrangia 4,3 milhões de quilômetros quadrados, mais do que o dobro do tamanho do México. Seus então 400 milhões de habitantes se distribuíam em uma complexa malha de antigos reinos com ampla diversidade religiosa. A independência, conquistada em 1947, não resultou no surgimento de uma única nação soberana - e sim de duas: Índia e Paquistão.
A decisão de dividir o território foi motivada por tensões religiosas profundas e interesses políticos divergentes, que tornaram inviável a manutenção de um Estado unificado. A maioria era hindu (cerca de 65%), mas uma expressiva minoria muçulmana (25%) vivia em diferentes partes do país, especialmente nas áreas que hoje formam o Paquistão e Bangladesh.
Com o avanço do movimento pela independência, liderado por figuras como Mahatma Gandhi e Jawaharlal Nehru, crescia também o temor de parte da população muçulmana quanto ao futuro em um país majoritariamente hindu. Esse receio foi canalizado politicamente por Mohamed Ali Jinnah, líder da Liga Muçulmana, que passou a exigir a criação de um Estado próprio para os muçulmanos: o Paquistão.
Com a eclosão de revoltas militares em 1946 e diante da crescente instabilidade social, o Reino Unido decidiu acelerar sua saída do território e entregou ao advogado Cyril Radcliffe, que jamais havia pisado na Índia, a tarefa de desenhar as fronteiras da partilha - um trabalho que ele precisou concluir em apenas cinco semanas.
A pressa e o desconhecimento das complexidades locais resultaram em uma divisão abrupta, que deu origem à Índia, de maioria hindu, e ao Paquistão, de maioria muçulmana. A partilha, anunciada em 15 de agosto de 1947, desencadeou um dos maiores êxodos da história moderna, com milhões de pessoas se deslocando entre os dois países, além de violentos confrontos religiosos.
Qual foi o custo humanitário da divisão?
Considerada uma das maiores tragédias humanitárias do século 20, a divisão gerou uma onda de violência, deslocamentos forçados e traumas que ainda hoje moldam a geopolítica da região.
A nova fronteira, traçada em tempo recorde pelo britânico Cyril Radcliffe, separou um território de aproximadamente 3 mil quilômetros, dando origem ao atual Paquistão e ao então Paquistão Oriental - este último se tornaria Bangladesh em 1971, após se separar de Islamabad. A divisão, feita com base na religião, não levou em conta a complexidade cultural, histórica e social das populações locais.
O resultado foi a maior migração forçada da história moderna: cerca de 15 milhões de pessoas foram obrigadas a deixar suas casas, fugindo de áreas onde passaram a ser minoria religiosa. Hindus e siques abandonaram o território paquistanês rumo à Índia, enquanto milhões de muçulmanos faziam o percurso inverso.
Esses deslocamentos foram marcados por sofrimento extremo. Famílias inteiras atravessaram distâncias de centenas e até milhares de quilômetros. Os mais pobres andaram a pé por semanas. As classes médias lotaram trens. Os mais ricos usaram carros e aviões - mas ninguém escapou do medo ou da violência.
Os meses seguintes à independência foram de caos e terror generalizado. Milícias religiosas passaram a operar com brutalidade, atacando comboios, acampamentos e vilarejos inteiros. O estado do Punjab, na fronteira entre Índia e Paquistão, tornou-se epicentro da violência. Lá, mulheres foram alvos sistemáticos de estupros, sequestros e mutilações.
Além disso, a divisão causou rupturas familiares permanentes. Milhões de pessoas foram separadas de parentes que ficaram do outro lado da nova fronteira.
Quais as consequências da divisão no presente?
Nos dias atuais, o epicentro dessa tensão é a Caxemira, uma região montanhosa do Himalaia conhecida por sua beleza natural e diversidade étnica, mas também marcada por conflitos armados e disputas territoriais que colocam duas potências nucleares frente a frente. O preço dessa divisão são sete décadas de tensão nuclear entre Índia e Paquistão.
Pelo Ato de Independência assinado pelos britânicos, os reinos que compunham a antiga colônia podiam escolher a qual novo país desejavam se unir. No caso da Caxemira, majoritariamente muçulmana, a decisão ficou nas mãos do maharajá Hari Singh, um governante hindu. Em outubro de 1947, ele optou por unir-se à Índia, desencadeando a primeira guerra indo-paquistanesa, que durou até 1949 e resultou na ocupação dividida da região.
Desde então, Índia e Paquistão disputam o controle total da Caxemira. Hoje, a Índia administra cerca da metade do território, enquanto o Paquistão controla um terço na porção noroeste. A China, que também entrou na disputa anos depois, domina áreas do norte e nordeste.
Os confrontos armados não pararam. Houve outras duas guerras entre Índia e Paquistão - em 1965 e em 1999 - diretamente relacionadas à Caxemira, além de um conflito em 1971, quando a Índia apoiou a independência de Bangladesh, antigo Paquistão Oriental. Todos esses embates ocorreram sob a sombra de um fato inquietante: ambos os países possuem armas nucleares.

