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Ex-ministro

De advogado de 'porta de cadeia' a campeão dos direitos humanos: biografia de José Carlos Dias

Criminalista se notabilizou por defender perseguidos pela ditadura militar e atuou na Comissão Nacional da Verdade

José Carlos DiasJosé Carlos Dias - Foto: Wikipedia

Convocado para terminar de escrever a biografia do próprio pai, o advogado criminalista e campeão dos direitos humano José Carlos Dias, o jornalista Otávio Dias se deu conta de que não há evento político de monta ocorrido no Brasil nas últimas seis décadas do qual ele não participou. Dias ingressou na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo, em 1960, ano em que Jânio Quadros assumiu a presidência. Entusiasmado, o rapaz compareceu à posse, mas acabou se decepcionando com o político, que renunciou ao cargo com a esperança de voltar aclamado pelo povo e com mais poderes.

No Largo de São Francisco, Dias começou a fazer política. Em 1963, discursou na posse da diretoria do Centro Acadêmico XI de Agosto e ganhou elogio do presidente João Goulart, presente na cerimônia: “Gostei, guri, do teu discurso”.

Formado advogado semanas depois do golpe de 31 de março de 1964, ele se notabilizou por defender presos e perseguidos políticos da ditadura e se associou à Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, comanda pelo Arcebispo Dom Paulo Evaristo Arns, que denunciava a tortura praticada pelo regime.

Engajou-se também na redemocratização e foi secretário da Justiça do Estado de São Paulo na gestão de Franco Montoro, eleito em 1982.

Em 1999, comandou por nove meses o Ministério da Justiça, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso e, entre 2011, integrou a Comissão Nacional da Verdade (CNV), instituída por Dilma Rousseff para investigar os crimes cometidos pela ditadura. Em 2018, começou a pensar seriamente na aposentadoria, mas Jair Bolsonaro se elegeu presidente e ele se engajou na Comissão Arns, organizada para combater retrocessos democráticos.

— Meu pai viveu ativamente todos os grandes momentos da política brasileira desde 1960. A biografia dele espelha a história do país — afirma Otávio.

Essa história dupla — do homem e do país — é contada na biografia “Democracia e liberdade: a trajetória de José Carlos Dias na defesa dos direitos humanos” (Alameda Editorial), que será lançada nesta quinta, às 19h, na Pasquale Cantina, em São Paulo.

A iniciativa de passar em revista sua trajetória foi o próprio Dias, que convidou para escrevê-la o jornalista Ricardo Carvalho, autor da biografia de Dom Paulo Evaristo Arns, “O cardeal da resistência”. Carvalho, porém, morreu repentinamente em junho de 2021 e coube a Otávio terminar o livro. Ele revisou tudo e escreveu os últimos capítulos, referentes à atuação do pai na Comissão Arns, cuja presidência ele deixou recentemente.

— Meu pai trabalhou muito nos últimos anos. Em plena pandemia, eles faziam longas reuniões, pois queriam realmente contestar todo retrocesso democrático durante o governo Bolsonaro — diz Otávio.

‘O crime não compensa’
A biografia transita entre a vida privada e militância pública de Dias. Apaixonado deste menino por Castro Alves, ele é um poeta precoce (publicou o primeiro livro aos 13 anos) e escolheu o direito criminal porque sonhava em atuar no tribunal do júri — embora seu pai, o desembargador Theodomiro Dias, avisasse: “o crime não compensa”.

Dias teve sua cota de casos inusitados. Certa vez, defendeu uma quadrilha de assaltantes surdos-mudos acusados de assassinato. Conseguiu anular o julgamento após fazer o investigador afirmar que um de seus clientes, um surdo-mudo, havia confessado o crime de viva voz.

Por anos, Dias foi um advogado de “porta de cadeia” (a expressão é dele), até que começou a defender pessoas perseguidas pela ditadura militar, como o ex-deputado federal petista José Mentor, o ex-senador (e ex-tucano) Aloysio Nunes e Paulo Stuart Wright, irmão do pastor presbiteriano Jaime Wright (parceiro de Paulo Evaristo Arns na denúncia da tortura), que foi morto e desaparecido nos porões do regime. Nessa mesma época, também representou a cantora Rita Lee, quando ela foi presa, grávida, acusada de porte de maconha.

— A defesa dos perseguidos políticos deu um novo propósito à carreira do meu pai — afirma Otávio.

Na Comissão da Verdade, ele chegou a interrogar torturadores, como Carlos Alberto Brilhante Ustra. Em depoimento à biografia, o advogado Pedro Dallari, coordenador da CNV, ressaltou a contribuição de Dias: “incentivou a eliminar adjetivos, análises políticas e juízos de valor e a nos centrarmos na descrição objetiva dos fatos ocorridos”.

Em março deste ano, quando o golpe militar completou 60 anos, Dias publicou um texto no qual afirmava: “Precisamos extirpar as metástases da ditadura que ainda perduram”. Otávio conta que o pai acompanha com atenção as investigações da tentativa de golpe de Estado que visava impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva.

— Meu pai vem dando um alerta: o perigo do golpe ainda existe. O Supremo Tribunal Federal tem agido, mas a extrema-direita continua forte. As investigações têm que seguir, porque essa ameaça continua forte no ar.

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