Enfraquecido por Michelle, Flávio Bolsonaro patina em conversas sobre 2026 e entra na mira do STF
Maiores dificuldades estão em definir sucessor de Jair Bolsonaro e um acordo para anistia
Com o início do cumprimento da pena do ex-presidente Jair Bolsonaro em regime fechado, o seu filho mais velho, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), passou a assumir um papel de maior protagonismo e tem sido citado por parlamentares do PL como o principal porta-voz do grupo político do pai.
Apesar disso, o senador tem acumulado dificuldades para exercer esse papel e deixado aliados em dúvida sobre sua capacidade de liderar o bolsonarismo.
Os maiores entraves dizem respeito à construção de um acordo para uma anistia a Jair Bolsonaro e a costura de alianças para a eleição de 2026, seja em âmbito nacional, seja nos acordos regionais.
O primeiro desafio já aconteceu em menos de uma semana após ele ter sido escolhido como porta-voz. Madrasta de Flávio, a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, presidente do PL Mulher, expôs durante uma viagem ao Ceará no último final de semana uma divergência ao anunciar ser contra uma aliança com o ex-ministro Ciro Gomes (PSDB), citado como possível candidato a governador do Ceará.
A fala de Michelle provocou uma crise no grupo e fez com que Flávio a desautorizasse publicamente. Ele contou com o endosso dos irmãos, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e o vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ), deixando em evidência o racha na família, agora acentuado sem o ex-presidente como voz determinante para dar a palavra final.
Leia também
• Vitória política de Michelle surpreende Centrão e limita poderes de filhos de Bolsonaro
• Após briga entre Michelle e filhos de Bolsonaro, aliança do PL com Ciro Gomes no Ceará é suspensa
• Racha na família Bolsonaro: Flávio diz ter pedido desculpas a Michelle após encontrar o pai
Diante das discordâncias, no entanto, a possibilidade de aliança do bolsonarismo com Ciro Gomes, ficou suspensa. Uma vitória de Michelle.
Outro desses entraves enfrentados por Flávio é a queda de braço com presidentes de partidos do Centrão para a definição de quem será o candidato da direita em 2026. As cúpulas do União Brasil, PP, Republicanos e PSD se movimentam para que seja o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), mas Flávio recebeu do pai a missão de adiar ao máximo essa definição.
Diante das discordâncias, o presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI), chegou a reclamar publicamente da “da falta de bom senso e de estratégia no centro e na direita” e disse que a federação União-PP deveria focar em apostar em formar grandes bancadas no Congresso, sinalizando abandono de empenho por uma candidatura presidencial.
Também há uma queda de braço envolvendo a anistia. Bolsonaristas querem um projeto de lei amplo que tire Bolsonaro da cadeia e recupere sua elegibilidade. Já partidos do Centrão articulam um projeto de redução de penas. Flávio tem pregado a anistia ampla, mas, ao mesmo tempo, tem dialogado com parlamentares do Centrão que pregam a dosimetria, com redução de penas. Procurado, Flávio não respondeu.
Outro sinal das dificuldades aconteceu a partir da prisão preventiva do ex-presidente, quando ele violou a tornozeleira eletrônica. Uma vigília organizada por Flávio foi usada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes como uma das justificativas para a prisão, complicando ainda mais a situação jurídica do pai.
“O senador da República faz uso do mesmo modus operandi, empregado pela organização criminosa que tentou um golpe de Estado no ano de 2022, utilizando a metodologia da milícia digital para disseminar por múltiplos canais mensagens de ataque e ódio contra as instituições”, diz trecho da decisão de Moraes.
Para aliados, o recado do ministro foi que Flávio também pode vir a ser investigado se manter o tom beligerante contra o Judiciário.
Depois disso, o senador reclamou em live que “querem enterrar todos os Bolsonaros vivos”, mas adotou uma cautela em relação ao seu futuro político e negou ser candidato a presidente, manifestando a preferência por tentar se reeleger senador.
Ainda assim, o nome de Flávio passou a ser cada vez mais citado como opção presidencial, principalmente para contrapor o desejo de partidos de Centrão de indicar Tarcísio como candidato.
O deputado Eduardo Bolsonaro, irmão do senador, é dos que têm citado a possibilidade de Flávio ser candidato. A avaliação de aliados é que o senador, embora tenha cautela, não descarta representar o pai na disputa eleitoral.
O líder da oposição no Senado, Rogério Marinho (PL-RN), reconhece as dificuldades envolvendo 2026 e a anistia, mas diz que será possível chegar a um acordo. Ele declarou que até o final do ano o senador conseguirá ajudar em um entendimento sobre anistia ou redução de penas.
"O Flávio é uma pessoa que tem muita experiência política, tem a confiança de todos nós e principalmente do presidente Bolsonaro. Então é ter paciência, até o final do período legislativo acho que a gente vai chegar a um bom termo (sobre anistia ou dosimetria)".
Ao falar sobre Flávio ser candidato a presidente em 2026, Marinho desconversou.
"Quem vai decidir no momento certo é o presidente Bolsonaro. Como ele mesmo diz, é um desserviço falar disso agora".
Outros parlamentares, contudo, falam abertamente sobre a possibilidade.
"Tem todas as credenciais"m disse o deputado Evair de Mello (PP-ES), vice-líder da oposição na Câmara: — Flávio tem sabedoria, é experiente e saberá ouvir a todos, assumir a responsabilidade e fazer essa condução. Nós sabemos que estamos numa transição e o senador Flávio superará todas as dificuldades que por ora possam aparecer. Estaremos todos unidos em 2026.
Mesmo no Congresso, Flávio também demonstra dificuldades para capitanear as pautas da direita.
Presidente da Comissão de Segurança do Senado, o senador tem exercido papel secundário nas discussões sobre o tema, que é sensível para a esquerda e pode trazer dividendos para a direita.
Ele não fez parte da cúpula da CPI do Crime Organizado e tampouco foi escolhido relator do PL Antifacção no Senado, embora tenha pedido isso ao presidente da Casa, Davi Alcolumbre (União-AP).
Na Câmara, por exemplo, foi o deputado Guilherme Derrite (PP-SP), pré-candidato ao Senado com apoio das siglas do Centrão, quem capitaneou as discussões.
"Flávio é o primogênito da família, ele é muito preparado e vai cumprir a liderança deste processo todo", disse o líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante (RJ). Ele evita, no entanto, falar sobre candidatura presidencial. "Nosso nome é Bolsonaro, por isso lutamos pela anistia".
Ao contrário de Eduardo, que tem acumulado críticas aos dirigentes partidários, integrantes da cúpula do União-PP destacam ter um diálogo com o senador.
Por conta dos atritos com Eduardo e com o cerco judicial se fechando contra ele, o nome do deputado é descartado por presidentes de partidos como um dos articuladores da chapa presidencial da direita, mas Flávio participa de forma constante das conversas.
As legendas querem uma definição de Bolsonaro antes do ano acabar e já demonstram incômodo com o fato de o ex-presidente ter sido preso em regime fechado sem ter ainda encaminhado o assunto.
Diferente do irmão deputado e do pai, Flávio não costuma ir para o enfrentamento quando é cercado política ou judicialmente.
STF na mira dos Bolsonaros
Até agora, Flávio se diferenciou dos irmãos mais novos por ter escapado de investigações no STF. Eduardo Bolsonaro foi tornado réu por coação no curso do processo, devido à sua atuação nos Estados Unidos.
O vereador Carlos Bolsonaro foi indiciado pela Polícia Federal (PF) na investigação sobre uma estrutura paralela montada dentro da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), mas o caso ainda está sob análise da Procuradoria-Geral da República (PGR).
Na decisão que mandou prender Bolsonaro, Alexandre de Moraes afirmou que o vídeo de Flávio "incita o desrespeito ao texto constitucional, à decisão judicial e às próprias Instituições, demonstrando que não há limites da organização criminosa na tentativa de causar caos social e conflitos no País, em total desrespeito à democracia".
O ministro ainda fez uma relação direta entre as ações de Eduardo nos EUA, que já estão sendo apuradas pelo STF, e a convocação de Flávio, afirmando que o filho mais velho do ex-presidente ignorou "responsabilidade como senador da República".
"Primeiro, um dos filhos do líder da organização criminosa, Eduardo Bolsonaro, articula criminosamente e de maneira traiçoeira contra o próprio País, inclusive abandonando seu mandato parlamentar. Na sequência, o outro filho do líder da organização criminosa, Flávio Bolsonaro, insultando a Justiça de seu País, pretende reeditar acampamentos golpistas e causar caos social no Brasil, ignorando sua responsabilidade como Senador da República", afirmou o relator.
As ações dos filhos foram fundamentais para três derrotas judiciais de Bolsonaro neste ano: a imposição da tornozeleira eletrônica, em julho; a prisão domiciliar, em agosto; e agora a prisão preventiva.
A atuação de Eduardo Bolsonaro nos Estados Unidos foi o motivo da imposição das primeiras medidas cautelares contra Bolsonaro, em julho, enquanto publicações nas redes sociais dos três filhos mais velhos levaram à prisão domiciliar e depois à preventiva, em agosto e na semana passada.
A principal investigação enfrentada por Flávio até hoje foi sobre a suspeita de um esquema de desvio de salários no seu gabinete, prática conhecida como "rachadinha".
Em 2020, ele chegou a ser denunciado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro. Entretanto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou, em 2021, a quebra de sigilo do senador, o que enfraqueceu a acusação e levou ao seu arquivamento.

