Sáb, 20 de Dezembro

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INVESTIGAÇÃO

Entenda as principais provas do esquema de desvio de cota de parlamentares do PL, segundo a PF

Segundo as investigações, os dois deputados teriam usado servidores de indicação política para desviar recursos públicos

 Deputados federais Carlos Jordy e Sóstenes Cavalcante, ambos do PL-RJ Deputados federais Carlos Jordy e Sóstenes Cavalcante, ambos do PL-RJ - Foto: Agência Câmara

Em mais um desdobramento de investigação contra parlamentares, o Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou na sexta-feira uma operação contra os deputados Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) e Carlos Jordy (PL-RJ), ambos suspeitos de desviar dinheiro público da cota parlamentar — verba que deveria ser usada para o exercício do mandato.

Durante ação de busca e apreensão, a Polícia Federal encontrou R$ 430 mil em dinheiro vivo no apartamento de Sóstenes, em Brasília, escondido em um saco de lixo dentro de um armário.

O valor é 87 vezes maior do que dinheiro declarado pelo deputado à Justiça Eleitoral em 2022, na ocasião mantido em contas bancárias. Sóstenes é líder do maior partido da Câmara.

Segundo as investigações, os dois deputados teriam usado servidores de indicação política para desviar recursos públicos. Esses valores, reservados para o pagamento de aluguel de carros, teriam sido lavados por meio de empresas de fachada “em benefício próprio” dos congressistas.

 

Contratada com verba da Câmara, a empresa Harue Locação de Veículos Ltda está no nome de uma mulher que recebeu R$ 4.500 de auxílio emergencial nos últimos anos, mas pertenceria “de fato”, segundo a PF, a um assessor de Jordy e gerenciada por seus familiares. A suspeita da PF é que os deputados faziam pagamentos para esta empresa para depois conseguir reembolso da cota parlamentar.

‘Indícios robustos’ apontados pelo STF
Saques e depósitos fracionados: Segundo as investigações, há provas da ocorrência de lavagem de dinheiro em função do fracionamento de saques e depósitos não superiores ao valor de R$ 9.999, prática chamada de “smurfing” e usada para evitar alertas automáticos do sistema financeiro.

Conversas e mensagens: As investigações também identificaram mensagens de WhatsApp que tratam de pagamentos “por fora”. Há ainda conversas extraídas de celulares dos investigados. Houve a quebra dos sigilos telefônicos de Jordy e Sóstenes de maio de 2018 a dezembro de 2024.

Empresa de fachada: Contratação da empresa Harue Locação de Veículos Ltda. ME, apontada como “empresa de fachada”. A loja está no nome de uma mulher, que recebeu R$ 4.500 de auxílio emergencial nos últimos anos, mas pertenceria,“de fato”, a um assessor de Jordy e seus familiares.

Como operava o esquema investigado
Cota parlamentar: O esquema de desvios mirava na Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar, benefício que custeia gastos do exercício do mandato. A verba mensal paga aluguel de escritórios de apoio, passagens aéreas, alimentação, aluguel de carros e combustível.

Aluguel de carros: A suspeita da PF é que os deputados faziam pagamentos para uma empresa de fachada, de locação de carros, para depois conseguirem o reembolso da cota parlamentar. De acordo com a PF, um carro alugado por Sóstenes no Rio servia à sua filha.

Lavagem de dinheiro: A PF aponta que os recursos desviados eram submetidos, posteriormente, a mecanismos de lavagem. Os contratos simulariam serviços, que não eram prestados. “Agentes políticos, comissionados e particulares teriam atuado de forma coordenada”, destaca a PF.

‘Correria’
Na sexta-feira, Sóstenes e Jordy se disseram perseguidos. No salão verde da Câmara, o líder do PL leu uma nota em tom de indignação alegando que o dinheiro vivo encontrado em seu apartamento era proveniente da venda de um imóvel. Segundo ele, o valor não foi depositado em uma conta bancárias em função da “correria”.

— O valor encontrado é oriundo de contrato limpo, venda de um imóvel. Quem quer viver de dinheiro de corrupção não mantém dinheiro lacrado. É dinheiro lícito — disse Sóstenes. — Eu vendi um imóvel e recebi em dinheiro lacrado, é declarado em meu Imposto de Renda. Eu recebi o dinheiro recentemente e, com a correria do trabalho, acabei não fazendo o depósito.

Sóstenes não deu, porém, detalhes sobre qual imóvel teria sido vendido, dados sobre o comprador ou o motivo de a venda ter sido feita em espécie, algo incomum nesse tipo de transação.

Nas redes sociais, Jordy afirmou que é alvo de uma “perseguição implacável” e de “pesca probatória”. Ao GLOBO, ele acrescentou que “não cabe ao parlamentar fiscalizar a frota ou a estrutura interna da empresa contratada, mas sim contratar o serviço mais eficiente e pelo menor custo, como sempre fiz”.

Tanto Jordy quanto Sóstenes tiveram os sigilos fiscal e telefônico quebrados por decisão do ministro Flávio Dino, do STF, que considerou “indícios robustos” da existência de uma organização criminosa.

“O pedido da Polícia Federal, amparado em RIFs (relatório de inteligência financeira) e nas diversas conversas extraídas de celulares dos investigados, revela a existência de indícios robustos, bem como demonstra a imprescindibilidade das medidas requeridas para continuidade da investigação”, diz a decisão.

Segundo as investigações da Polícia Federal, há provas da ocorrência de lavagem de dinheiro em função do fracionamento de saques e depósitos não superiores ao valor de R$ 9.999 — prática conhecida como “smurfing” e adotada para evitar alertas automáticos do sistema financeiro.

Outra suspeita é o uso da cota parlamentar para custear despesas consideradas “inexistentes e irregulares”. A investigação apura os possíveis crimes de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa.

A polícia obteve ainda conversas em que um assessor do PL afirmou que Sóstenes estaria fazendo pagamentos “por fora”. Um assessor do deputado Jordy também usa a expressão em outras conversas.

“Segunda feira o deputado vai vir segunda, aí eu vou ver com ele pra pagar o outro por fora, tá bom? Na segunda-feira, tá? E segunda-feira tá todo mundo aqui, eu vou ver com ele, tá bom?”, diz trecho destacado pela Polícia Federal.

Em dezembro do ano passado, a PF já havia realizado uma operação de busca e apreensão em endereços ligados a assessores dos parlamentares. A ação, batizada de “Rent a Car”, investigava o desvio de cota parlamentar por meio de contratos falsos com locadoras de veículos.

Segundo a investigação, a prorrogação dos contratos também seria fraudulenta. A PF usou conversas entre Adailton Oliveira Santos, que trabalha na liderança do PL, comandada por Sóstenes, e Itamar de Souza Santana, que atua no gabinete de Jordy. “Entre os dias 27/02/2024 e 13/03/2024, a dupla volta a discutir o novo contrato de locação. Adailton sugere o valor de R$ 2.200,00 e indica que Sóstenes continuaria ‘pagando por fora’”, afirma a PF, destacando um diálogo.

De acordo com a PF, também há “indícios consistentes” de que um carro alugado por Sóstenes no Rio estava sendo utilizado, na verdade, pela sua filha.

Gastos acima da média
Levantamento feito pelo Globo em dezembro do ano passado mostrou que os gastos de Sóstenes com aluguel de carro em 2024 representavam quase o dobro da média dos valores declarados por outros parlamentares.

Ao longo do ano passado, os gastos do parlamentar ultrapassaram R$ 137,9 mil, enquanto a média das despesas de outros deputados com essa categoria foi aproximadamente R$ 76,8 mil.

Já as despesas de Jordy com o aluguel de carros foram de R$ 65, 4 mil, abaixo da média geral e da sigla.

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