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Entenda as provas que levaram ao afastamento do governador do Tocantins

Verba seria usada na compra de cestas básicas durante pandemia de Covid; primeira-dama e seu ex-marido estariam no esquema

O governador Wanderlei Barbosa e sua mulher teriam desviado verbas para a compra de cestas básicas O governador Wanderlei Barbosa e sua mulher teriam desviado verbas para a compra de cestas básicas  - Foto: Alan Santos/Divulgação/PR/22-3-2022

A Polícia Federal (PF) deflagrou ontem a segunda fase da Operação Fames-19, que investiga um suposto esquema de desvio de dinheiro público do governo do Tocantins para a compra de cestas básicas durante a pandemia de Covid-19. Um dos investigados é o governador Wanderlei Barbosa (Republicanos). Por determinação do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Barbosa foi afastado do cargo por 180 dias. O vice Laurez Moreira (PSD) assumirá a gestão. Estima-se um prejuízo de R$ 73 milhões aos cofres públicos.

Mais de 200 agentes cumpriram 51 mandados de busca e apreensão no Palácio Araguaia, sede do governo, e na Assembleia Legislativa. O objetivo foi reunir novos elementos para esclarecer o uso de emendas parlamentares e o suposto recebimento de vantagens indevidas por agentes públicos. Em nota, Barbosa afirmou que a medida de afastamento é precipitada e que vai recorrer da decisão. Ele afirma inocência.

As provas já levantadas pela Polícia Federal
Ocultação de verba desviada: As investigações apontam que o prejuízo aos cofres públicos chegam a R$ 73 milhões. Parte do valor teria sido ocultada por meio da construção de empreendimentos de luxo, compra de gado e pagamento de despesas pessoais dos envolvidos. Segundo a PF, foram usados R$ 2,4 milhões na construção da pousada do filho do governador.

Cestas somente em fotos: Conversas mostram investigados forjando cestas básicas para entrega, com direito a foto: “Eu tô com o carro aqui cheio de cestas, doido pra botar essas cestas lá e esperar amanhã a visita na Setas, fiscalização, e depois colocar novamente as cestas no carro e entregar lá pro Rosalino, que me emprestou”, diz um acusado.

Mensagens e ‘bênção’: O pagamento de propina no esquema de desvio verbas públicas durante a pandemia de Covid-19 foi identificado em troca de mensagens entre acusados. Os investigados combinavam a entrega dos valores em dinheiro vivo. Para não chamar a atenção e tentar disfarçar a propina, as quantias eram chamadas pelos investigados de “bênção”.

Investigações sob sigilo
As investigações tramitam sob sigilo no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Segundo a PF, há “fortes indícios” de um esquema de desvio de recursos públicos entre 2020 e 2021, quando os investigados teriam “se aproveitado do estado de emergência em saúde pública e assistência social para fraudar contratos de fornecimento de cestas básicas”. As investigações apontam que foram pagos mais de R$ 97 milhões em contratos para compra de cestas básicas e frangos congelados. Parte do valor teria sido desviado e ocultado por meio da construção de empreendimentos de luxo, compra de gado e pagamento de despesas pessoais dos envolvidos.

As investigações miram ainda a primeira-dama Karynne Sotero Campos. A PF aponta que ela assumiu “posição de destaque” na operação criminosa e que seu ex-marido Paulo César Lustosa atuou como operador. Segundo a PF, a Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social (Setas) abrigaria um “esquema sistemático” de desvios de verbas. Por conta de arranjos político-partidários, a pasta foi politicamente atribuída a Barbosa quando era vice-governador.

Emendas estaduais
Em 2020 e 2021, a maior parte da verba destinada ao enfrentamento das consequências da pandemia foi direcionada para a secretaria — por diversas fontes, incluindo emendas parlamentares estaduais, supostamente para a compra de cestas básicas. Em troca dos repasses, os deputados teriam recebido vantagens indevidas.

Mensagens obtidas no celular de Lustosa apontaram “intensa participação” de Karynne nos desvios de recursos para cestas básicas. Segundo a PF, o Instituto de Desenvolvimento e Gestão Social, Esportiva e Cultural (Idegesesc) — rebatizado de Instituto de Desenvolvimento Educacional, Social e da Saúde (Idess) — está “umbilicalmente ligado” à primeira-dama. Karynne foi presidente do órgão de janeiro de 2013 a outubro de 2019, mas ainda controlava a organização depois disso, conforme apontaram diálogos de seu ex-marido obtidos pela PF. Ela ainda detinha as chaves do local mesmo após a sua saída.

Levantamento da PF mostra que em dezembro de 2021 o Idegesesc firmou um termo de colaboração com a Setas para o fornecimento de cestas básicas e atender a uma emenda da então deputada estadual Valderez Castelo Branco. Houve três publicações sobre o fornecimento nesse período. O contrato foi prorrogado até junho de 2022. Um diálogo de Lustosa com seu irmão, Wilton Rosa Pires, aponta que o instituto não produziu qualquer cesta e pegou unidades “emprestadas” para ludibriar a fiscalização com “fotos para documentar um fornecimento que jamais existiu”.

“Então, cê (Lustosa) já tá indo pra lá, fala pra mim que eu vou pra lá então (...) que eu tô com o carro aqui cheio de cestas eu tô doido pra botar essas cestas lá e esperar amanhã fazer a visita lá na Setas né, fiscalização, e depois colocar novamente as cestas no carro e entregar lá pro Rosalino, que elas são emprestada né, ele me emprestou só (...)”, diz Rosa.

Em seguida, ainda segundo os investigadores, foi encaminhada uma foto na qual aparecem três indivíduos, supostamente fiscais da Setas, junto a cestas emprestadas. A PF diz que o intuito era “encenar a efetiva entrega do material destinado à assistência social”.

O pagamento de propina no esquema de desvio de recursos públicos durante a pandemia de Covid-19 recebeu no governo de Tocantins o apelido de “benção”. O pagamento era efetuado em dinheiro vivo, conforme mensagens obtidas nos celulares dos envolvidos.

Em uma delas, Rosa envia a Lustosa a foto de uma pilha de dinheiro com intuito de combinar um encontro para o pagamento dos valores. Os irmãos também tiveram conversas obtidas pela PF em que tratam da “bênção”:

Rosa: “Boa tarde irmão. Tá por onde?”

Lustosa: “Boa tarde”.

Rosa: “Quero te passar uma bênção.”

Lustosa: “Almoçando aqui no 063 JK. Ouvindo um pagodinho.”

Segundo a PF, parte do dinheiro desviado ainda foi usado para a construção de uma pousada de luxo em nome do filho do governador, Rérison Antônio Castro Leite. A PF constatou “o direcionamento de grandes somas de recursos para a construção” do empreendimento. Cerca de R$ 2,4 milhões teriam sido destinados à obra em dois anos.

Também aparecem na investigação dez deputados estaduais. A Polícia Federal pediu o afastamento do grupo, mas o Superior Tribunal de Justiça negou. São eles: Amélio Cayres (Republicanos), Cláudia Lelis (PV), Cleiton Cardoso (Republicanos), Ivory de Lira (PCdoB), Leo Barbosa (Republicanos), Jorge Frederico (Republicanos), Nilton Franco (Republicanos), Olyntho Neto (Republicanos), Valdemar Júnior (Republicanos) e Vilmar de Oliveira (Solidariedade). (*Estagiária sob supervisão de Cibelle Brito).

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