Esquerda não soube se distanciar da corrupção, afirma Cristovam Buarque
Ex-ministro avalia que o crescimento da direita nos últimos anos tem a ver com erros da esquerda, em especial no tocante à corrupção
Ainda ensaiando uma pré-candidatura a deputado federal pelo Distrito Federal, o ex-senador e ex-ministro da Educação, Cristovam Buarque (Cidadania), avalia que o crescimento da direita nos últimos anos tem muito a ver com erros da esquerda, em especial no tocante à corrupção. Mesmo assim, em entrevista ao podcast "Direto de Brasília", ele vê o presidente Lula (PT) em situação melhor para disputar a reeleição, defende investimentos em educação e lembra que foi o criador do Programa Pé-de-Meia, principal iniciativa do atual governo.
Há alguns anos, o senhor lançou um livro chamado “Por que falhamos”, analisando os erros da esquerda. Quais seriam os principais?
Eu listei 24 erros. O primeiro foi não ter havido uma unidade entre o PSDB e o PT. Os dois são paulistas e pensavam mais em quem ia ser o próximo prefeito de São Paulo do que no próximo presidente do Brasil. Outro erro foi não ter sabido enfrentar o problema da corrupção, de duas formas. Tolerou-se o que acontecesse, e os que não roubaram não souberam se distanciar, dizendo quem roubou. Talvez tenha sido o maior dos erros: não saber se distanciar da corrupção.
O presidente Lula chegou a propor uma reflexão sobre quais teriam sido esses erros...
Fiquei muito feliz quando o vi falando nisso. Porque, em geral — e é outro erro —, a esquerda se transformou em religião. Acho que a gente tinha que ter investido em educação, para termos pessoas conscientes, com discernimento. As bandeiras morais você ganha pela educação. E outro erro foi não ter entendido que hoje não existe luta de classes por dinheiro. A luta é por conhecimento. Quem tem conhecimento não passa fome. Mas continuam achando que a disputa é entre o patrão e o trabalhador.
Falando no presidente, como analisa a situação dele para a reeleição?
A coisa é tão dinâmica que pode mudar daqui a um mês ou dois. Mas hoje o presidente Lula tem muito mais chances de se reeleger do que teve em 2022. Continuo achando que a gente precisa do Lula ainda. Não vou dizer que ele é bom ou ruim, mas não surgiram outros. E aí é um defeito dele. Aliás, se você olhar nas forças de centro-direita, tem alguns filhos de líderes que estão despontando e que vão ser grandes nomes daqui a cinco ou dez anos. Na esquerda, não tem. Acho que o Lula ofuscou, digamos assim. Se foi deliberado ou não, não sei. Mas, se você olha o pessoal, os filhos do Jader Barbalho, os filhos do Renan Calheiros... Em Pernambuco, até tem o filho de Silvio Costa e os filhos de Eduardo Campos. Você vê que estão surgindo nomes. Mas, nas esquerdas, a gente não tem visto. Os mais jovens já passaram dos 50 anos.
Como avalia o Brasil de hoje?
Acho que o que pode resumir é dizer que somos um país sem coesão nem rumo. Quem está imaginando, formulando ou propondo o Brasil daqui a vinte anos? E vinte anos é daqui a pouco. Essa é a tragédia e é isso que provoca todo esse desconforto, todo esse caos, todas essas vergonhas, inclusive. Não digo algo unitário, mas que a gente saiba. Nós brigamos, mas sabemos o que temos em comum. Eu ponho a culpa de tudo isso em não termos feito o dever de casa na educação de base.
O senhor foi ministro da Educação, e talvez o principal programa do atual governo Lula seja justamente o Pé-de-Meia...
O Pé-de-Meia é um programa do meu governo no Distrito Federal, chamado Poupança Escola. Só mudou o nome, e depois de 22 anos de eu ter dado o programa para o presidente Lula, quando eu era ministro. A Casa Civil pegou e ficou 22 anos e não quiseram fazer. Não consigo entender. Lamento essa demora e, mais ainda, a mudança de nome.
Por quê?
O Pé-de-Meia tem uma visão assistencialista. Veja o nome que a gente deu: Poupança Escola, que lembra a escola. A finalidade não é o dinheiro, é a escola. O dinheiro é incentivo. Isso não sou eu quem digo, são os neurolinguistas. A palavra faz você pensar de um jeito ou de outro. Sou favorável ao Poupança Escola, sou favorável ao Pé-de-Meia — vai ter um bom impacto —, mas é uma pena que tenhamos perdido tanto tempo e tenha mudado o nome.
Como ex-ministro da Educação, por que até hoje não se consegue ter um projeto nacional robusto para a educação básica?
Curto e grosso: porque o povo brasileiro não quer. Os políticos não querem. Não faz parte do imaginário brasileiro que pobres e ricos estudem na mesma escola. Não se acredita que a educação é o vetor do progresso e da transformação. Ninguém percebe que podia resolver aumentando o número das escolas públicas federais que já existem — são 500 ou 600. Basta ter uma estratégia para trinta anos, não dá para ser menos. Por que as universidades são federais e as escolas das crianças são municipais? Não há uma vontade nacional de que sejamos campeões mundiais de educação. A única saída é federalizar a educação de base. Falta decisão política.
Tem acompanhado a movimentação do campo da esquerda pela sucessão no Distrito Federal?
Creio que vamos chegar a uma unidade, pelo menos eu espero. Não temos como ganhar no Distrito Federal se não formos unidos, do centro-esquerda até a esquerda. Hoje há dois candidatos: Ricardo Cappelli (PSB) e Leandro Grass (PT). Espero muito que eles estejam juntos, porque quero apoiar algum dos dois. Mas tem que haver uma frente. Não sei se o PT vai ter lucidez para buscar essa frente, se o presidente Lula vai perceber a necessidade dessa aliança para ajudá-lo a se reeleger. Mas meu desejo é que a gente junte as forças progressistas, que foi o que elegeu Rodrigo Rollemberg em 2014, Agnelo Queiroz em 2010 e a mim em 1994 como governadores.
O senhor pensa em voltar à Câmara dos Deputados?
Estou sendo muito pressionado por dois lados. Primeiro, pelo meu partido, que é muito pequeno e precisa ter quadros, ter deputados federais, e eles acham que eu teria alguma chance aqui. E por mim mesmo (risos). Eu começo a ter uma certa pressão de ser candidato. Quando vejo o que é o Brasil hoje, o que está acontecendo na Câmara, tenho a impressão de que é uma obrigação ser candidato. Me pergunto se tenho o direito de dizer que não me candidato, para não ser acusado de omisso.
Com esse grande volume de emendas, analistas dizem que o Congresso tem mais poder e menos responsabilidades. Deveria ser assim mesmo?
Minha resposta é clara: não deveria. Não pode ser cheque em branco, como hoje existe, e nessa quantidade de R$ 70 milhões por ano para cada deputado. A emenda parlamentar deste tamanho é prova da nossa falta de coesão. E cada um quer o seu pedaço, inclusive o eleitor. Então, essa pergunta merece uma reflexão muito grande. Como fazer para acabar com isso? Agora, se eu ficar em casa apenas como escritor, não vou ajudar. Para acabar com isso, tem que estar lá dentro.
E como concorrer contra deputados que têm R$ 280 milhões em quatro anos?
É quase impossível. E a emenda é uma injeção na veia do eleitor, mas termina também virando um vício, uma espécie de droga, nessa fluidez e descontrole.

