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BRASIL

Governadores de direita miram 2026 e se aliam a Centrão para desgastar Lula

Iniciativa é de autoria do governo, mas Planalto perdeu controle do texto após articulação de bolsonaristas e do Centrão

Tarcisio de Freitas, governador de São PauloTarcisio de Freitas, governador de São Paulo - Foto: Vinicius Rosa/Governo do Estado de SP

A aprovação pela Câmara do projeto de lei Antifacção representou a união de partidos do Centrão com siglas da oposição para minar uma tentativa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de ter um protagonismo na área de segurança. Governadores como Tarcísio de Freitas (São Paulo) pegaram carona no texto para criticar o governo federal, que se posicionou contra.

A articulação, que contou principalmente com a participação do PP e União Brasil, além do PL do ex-presidente Jair Bolsonaro, teve percalços com um vaivém de versões do relatório do deputado Guilherme Derrite (PP-SP),mas acabou bem sucedida na avaliação das siglas envolvidas.

O resultado foi capitalizado por nomes apontados como possíveis concorrentes de Lula na disputa pela Presidência em 2026. Embora tenha feito movimentos cautelosos e evitado ir a Brasília articular a aprovação do projeto,Tarcísio cedeu temporariamente Derrite, que é seu secretário de Segurança Pública, para retomar o mandato de deputado e articular o parecer do projeto.

O próprio Derrite é pré-candidato ao Senado e citado até como uma das opções para disputar o governo paulista caso Tarcísio concorra ao Planalto.

Parlamentares do PL e até o relator também tentaram associar o texto ao ex-presidente Jair Bolsonaro, que deve ser preso em breve por conta do caso da trama golpista, mas ainda deseja ter um protagonismo nas definições da oposição para 2026.

Apesar de a iniciativa ser de autoria do governo, a base foi contra o texto de Derrite que foi aprovado. Há críticas em relação a pontos como questão do financiamento da Polícia Federal e o risco de sobreposição de leis.

 

Tão logo o projeto foi aprovado ontem à noite, Tarcísio foi às redes sociais tentar capitalizar politicamente o resultado.

“Vitória do povo brasileiro no Congresso. A aprovação do Marco Legal da Segurança Pública, relatado pelo nosso secretário Derrite, é um passo decisivo para asfixiar o crime organizado. Acabou a impunidade. Em São Paulo e no Brasil, o recado é claro: Lugar de bandido é na cadeia”, disse.

Nesta quarta-feira, o governador de São Paulo voltou a comentar o assunto em vídeo divulgado nas redes. Em tom eleitoral, mas sem citar diretamente a base do governo, Tarcísio criticou o Poder Executivo por se posicionar contra o texto.

— Aqueles que votaram contra resolveram enfrentar o tema pela lente da ideologia, mas o Brasil resolveu enfrentar o tema pela lente da realidade, resolveu enfrentar o seu maior inimigo, o crime organizado.

Além de Tarcísio, outros políticos que tentam se cacifar para a disputa presidencial de 2026 tentaram ganhar eleitoralmente com o projeto. O governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), que tem usado a segurança como uma de suas bandeiras, acompanhou ontem desde o início do dia as articulações.

Caiado, assim como o governador do Rio, Cláudio Castro (PL), participou de uma reunião do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos), com líderes partidários. Depois, o governador de Goiás ficou no plenário da Câmara durante toda a votação dialogando com Derrite, outros deputados da oposição e o próprio Motta.

O governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), que também quer ser candidato a presidente, foi outro a participar na semana passada de reuniões com Motta e Derrite.

Aliado de Tarcísio, o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), também vê a votação de ontem como algo positivo para o campo político da oposição

— Vejo (ganhou eleitoral para direita). A população exige maior rigor no combate ao crime e em especial ao crime organizado e o relatório do Derrite trás o atendimento a esse anseio — declarou.

Há uma avaliação que, apesar de terem sofrido desgastes por conta de uma campanha pública contra o texto, promovida por apoiadores do governo e com críticas sobre a possibilidade de limitar o trabalho da Polícia Federal, a articulação foi bem sucedida e que o Planalto se desgastou por votar contra o relatório de Derrite.

— A direita sai fortalecida com a aprovação do projeto. Em pesquisas recentes, a maioria da população concorda em endurecer a pena. A esquerda, que diz combater a criminalidade, quando é para de fato combater, com medidas sérias, dá um passo atrás — disse o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG).

O entendimento é compartilhado pelo senador Sergio Moro (União-PR), que também tem a segurança como um dos principais temas de seu mandato. O parlamentar deseja disputar o governo do Paraná em 2026.

— Vejo que o governo não tem base de sustentação na Câmara. O discurso (do governo sobre a segurança) não cola, pois o governo Lula sempre foi frouxo contra o crime. Certamente (a direita se beneficia para 2026), o discurso é bandeira da oposição e da direita.

O presidente da Câmara foi outro a criticar o governo por votar contra o projeto.

— Aqueles que não tiveram coragem de votar a favor da proposta têm que se justificar hoje pela manhã porque ficaram contra aquilo que o povo brasileiro quer. E quem votou contra tem que hoje dar a sua cara a tapa para dizer por que ficou contra a matéria e não ficar criando narrativas inverídicas — disse Motta em entrevista à CBN.

Do outro lado, o Poder Executivo ainda aposta em mudar o texto no Senado e conter o desgaste na área.

Logo após o projeto ter sido aprovado, Derrite fez um pronunciamento no qual agradeceu a Tarcísio e a Bolsonaro.

— Se hoje eu estou aqui nesta Casa relatando o projeto dessa magnitude é porque eu tive o apoio e a confiança de um grande gestor. O governador Tarcísio de Freitas. E se hoje existe um secretário Derrite é porque lá atrás um presidente chamado Jair Messias Bolsonaro confiou a missão no Ministério da Infraestrutura a um jovem técnico e preparado, o ministro Tarcísio de Freitas — disse

Outro sinal de que o projeto virou uma antecipação da disputa eleitoral foi uma troca de acusações entre Derrite e integrantes do governo. O auxiliar de Tarcísio chegou a escrever em seu relatório que não foi procurado por ninguém do governo federal para discutir o texto.

Apesar de não ter registros de que ele se reuniu com autoridades do primeiro escalão do Executivo federal, Derrite teve reuniões com o secretário-executivo do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Manoel Carlos de Almeida Neto, e com o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE).

Do lado do governo, o discurso é que foi Derrite quem recusou reuniões com a ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, e com o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski.

— O relator disse que não toparia fazer o que nós tínhamos marcado. Acertamos uma reunião incluindo o relator e o Ministério da Justiça, que é o responsável maior pela elaboração do projeto de lei e nós fomos comunicados que o relator não estava se dispondo a ir para essa reunião — disse Guimarães.

O chamado “novo marco legal do combate ao crime organizado” prevê penas de 20 a 40 anos de prisão para integrantes de facções, milícias e grupos paramilitares, podendo chegar a 66 anos em algumas hipóteses.

O projeto restringe ainda, entre outras medidas, a progressão de regime para os criminosos, permite o confisco de bens de forma antecipada e prevê um banco nacional de registro de criminosos. O governo também tentou fazer mudanças no texto com os chamados destaques, mas acabou derrotado nos pedidos.

Como foi a votação na Câmara

O PL Antifacção foi aprovado por 370 votos a 110. O texto traz os seguintes pontos:

cria um marco legal específico para facções, milícias e grupos paramilitares;

estabelece penas de 20 a 40 anos, podendo chegar a 66 anos;

torna todas as condutas definidas no projeto crimes hediondos;

amplia o confisco de bens, inclusive antecipado;

cria um banco nacional para registro de criminosos;

restringe progressão de regime;

estabelece regras mais duras de comunicação de presos.

A oposição tentou incluir a equiparação de facções ao terrorismo, mas o presidente da Câmara, Hugo Motta, anulou as tentativas ao considerá-las “estranhas ao texto”.

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