Manobra de Motta para resgatar voto secreto já foi usada por Cunha e repetida por Lira
Estratégia regimental de usar emendas aglutinativas para reverter derrotas não é novidade
A articulação de Hugo Motta (Republicanos-PB) para resgatar o voto secreto na PEC da Blindagem, contrariando uma votação já realizada em plenário, segue um roteiro já testado por dois aliados do presidente da Câmara e ex-ocupantes da mesma cadeira: Eduardo Cunha e Arthur Lira (PP-AL).
Padrinhos políticos de Motta, ambos demonstravam conhecimento suficiente do regimento para recorrer às brechas quando o cenário era desfavorável.
Contestada pelas bancadas do Novo e PSOL, a manobra consiste em apresentar a chamada "emenda aglutinativa" para resgatar texto ou dispositivos considerados importantes rejeitados em votações antecedentes.
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Nesta quarta-feira, líderes apresentaram esse tipo de emenda para incluir novamente à PEC da Blindagem uma regra para quando uma Casa Legislativa for autorizar ou negar o início de processo criminal contra parlamentar: a necessidade de votação secreta em plenário.
O mesmo trecho, porém, havia sido retirado em votação específica durante a madrugada.
Legítima, a emenda aglutinativa serve, de acordo com o regimento da Casa, para construir consensos quando há muitas sugestões sobre o mesmo tema. Faz-se, então, uma "aglutinativa" com o objetivo de reunir emendas "tendente à aproximação dos respectivos objetos".
Em julho de 2015, Cunha recorreu ao mesmo expediente. Na madrugada do dia 1º, a proposta que reduzia a maioridade penal de 18 para 16 anos foi rejeitada por cinco votos. Cunha não aceitou a derrota.
No dia seguinte, refez a votação com base em uma emenda aglutinativa costurada com líderes. O resultado mudou: 323 votos a favor, 20 a mais do que na véspera. O então governo de Dilma Rousseff acusou Cunha de atropelar o regimento e houve ameaça de judicialização no Supremo.
Seis anos depois, em setembro de 2021, Lira repetiu o movimento. Durante a votação do Código Eleitoral, um destaque derrubou a quarentena de quatro anos para juízes, promotores e militares que quisessem se candidatar. Foram 254 votos favoráveis — três a menos do que o necessário.
Dias depois, em reunião com líderes do Centrão, Lira decidiu usar a mesma estratégia. A emenda aglutinativa devolveu o dispositivo ao texto e foi aprovada por 273 votos a 211.
Na época, Lira chegou a citar Cunha como precedente para justificar o manuseio regimental.
No caso de Motta, o voto secreto havia caído em votação separada pedida pelo Novo, com 296 votos favoráveis, insuficientes para uma PEC. A derrota foi revertida com apoio das bancadas do PP, União Brasil, Republicanos, MDB, PL, PSDB, Avante e Podemos. O resultado: 314 votos a favor e 168 contrários.
A oposição reagiu. O líder do PT, Lindbergh Farias, anunciou que recorrerá ao Supremo.
— Vamos, num caso como esse, recorrer ao Judiciário, porque está ferindo a Constituição, que diz que a matéria rejeitada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa — disse.
Motta ironizou:
— É um direito de Vossa Excelência ir ao Supremo, como faz quase diariamente.
A aprovação garante o retorno do voto secreto não só nos processos criminais contra deputados e senadores, mas também nas decisões sobre prisão em flagrante de parlamentares.
A PEC agora segue para análise do Senado. O presidente da CCJ, Otto Alencar (PSD-BA), tem repetido que a proposta não passará na Casa revisora.

