Ministra da Igualdade Racial diz que estuda medidas para barrar fim de cotas raciais em SC
Medidas seguem para sanção do governador; parlamentares também deram aval à instalação de câmeras em salas de aula do Ensino Médio e proibiram 'doutrinação ideológica' e festa de Halloween em escolas
A ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco (PT), afirma que a equipe da pasta analisa medidas cabíveis para "impedir o retrocesso" depois que parlamentares da Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc) aprovaram, por maioria, um projeto de lei que veda a adoção de cotas raciais e outras ações afirmativas por universidades estaduais ou que recebam verbas públicas do estado.
Pelas redes sociais, Anielle disse que os deputados catarinenses "querem passar por cima da Constituição" ao aprovar o projeto, que ainda precisa ser sancionado pelo governador Jorginho Mello (PL). "Os números comprovam que a política de cotas funciona e ajuda a reparar injustiças históricas", destacou a ministra. A petista disse que o ministério tem trabalhado para ampliar as ações afirmativas não apenas como direito, "mas como reparação necessária para seguirmos abrindo portas".
Pela proposta aprovada na Alesc, as unidades que descumprirem a normativa deverão pagar multa de R$ 100 mil, por edital, e poderão perder verbas públicas (as entidades federais não serão afetadas.) Foi uma das cinco medidas educacionais conservadoras promovidas por deputados do PL que passaram pelo crivo da Alesc nesta quarta-feira e agora seguem para sanção do governador.
As unidades de ensino também criticaram a aprovação do projeto na Alesc. Em nota de repúdio conjunta, a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), a Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), o Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC) e o Instituto Federal Catarinense (IFC) expressaram "profunda indignação" sobre a medida e a classificaram como um "ato inaceitável, irresponsável e profundamente regressivo, que despreza décadas de luta por justiça racial e ignora evidências acadêmicas, históricas e sociais incontestáveis".
"É especialmente revoltante que essa medida tenha sido aprovada justamente no Dia Internacional dos Direitos Humanos, dia 10 de dezembro, data dedicada à defesa da dignidade, da igualdade e da proteção das populações historicamente violadas. A escolha desse dia para retirar direitos é tão simbólica quanto devastadora", destaca a nota.
As entidades afirmaram, ainda, que as cotas são "mecanismos concretos" para dirimir desigualdades, enfrentar o racismo estrutural e conceder oportunidades a pessoas que historicamente foram mantidas à margem do Ensino Superior. A eliminação da reserva de vagas para negros, diz a nota, exclui ideias e contribuições cuja diversidade enriquece a ciência e a educação do estado. As universidades clamaram ao governador Jorginho Mello para que não sancione o projeto.
Leia também
• Alesc aprova fim de cotas raciais em universidades estaduais e exigência de toxicológico
• CNU 2025: 46,06% dos aprovados para 2ª fase concorrem por cotas
• A omissão que custa caro: municípios precisam decidir sobre cotas raciais em concursos públicos
Propostas aprovadas
Segundo a Alesc, o projeto de lei sobre as cotas veda a reserva de vagas suplementares e medidas congêneres para o ingresso de estudantes e para a contratação de docentes, técnicos e outros profissionais nestas instituições.
Apesar do veto, o projeto determina que as novas regras não proíbem a reserva de vagas para Pessoas com Deficiência (PCD) e para estudantes oriundos de instituições estaduais públicas de Ensino Médio. Tampouco veda a adoção de cotas baseada em critérios exclusivamente econômicos.
Na prática, caso seja sancionada pelo governador, a nova lei vedará cotas raciais, além da reserva de vagas para outros grupos, como pessoas transgênero, ciganos, refugiados, presos, entre outros. Reportagem do GLOBO mostrou em setembro que a consolidação das cotas tem gerado uma diversificação dos públicos atendidos nas reservas de vagas pelo país.
Autor do projeto, o deputado Alex Brasil (PL) celebrou a aprovação da Assembleia e afirmou que o texto põe fim ao que chamou de "cotas ideológicas" no estado.
"Santa Catarina se torna referência ao aprovar o PL, de minha autoria, que acaba com a bandalheira de cotas para militância e agendas ideológicas. Chega de cotas para trans, ex-presidiários, ex-refugiados e, pasmem, até para quem é de outros estados!", escreveu o político, no Instagram. "Quais cotas prevalecerão? Apenas as que fazem sentido: PCDs (regra constitucional) e cotas ligadas à condição socioeconômica (baixa renda e alunos de escolas públicas)".
Alex Brasil rebateu as críticas de que o projeto de lei não dá conta de combater a desigualdade de oportunidades e o racismo estrutural.
"A oportunidade é para quem realmente precisa! Se você é negro e tem alta renda, a vaga é do branco de baixa renda que não tem condições de pagar os estudos. O discurso raso de racismo é rechaçado. Priorizamos o mérito e a necessidade financeira, não a cor da pele", disse ele.
Na mesma sessão, os parlamentares aprovaram a obrigatoriedade de exame toxicológico em candidatos a ingressar nas universidades públicas estaduais. De acordo com a proposta, o aluno deverá apresentar laudo do exame, com janela de detecção de 180 dias, no momento da apresentação dos documentos para a matrícula, que ficaria condicionada ao resultado negativo.
Os estudantes terão direito à contraprova, se o teste der positivo, e os exames serão confidenciais, afirma o projeto. Depois de apresentados, os documentos relativos ao exame serão devolvidos ao aluno, e não arquivados. Deverá ser consignado no registro escolar, porém, que houve a apresentação e qual foi o resultado.
A proposta, de autoria do deputado Jessé Lopes (PL), prevê ainda que as instituições implementem programas de prevenção ao uso de drogas ilícitas em todo o campus.
"Durante todo o ano letivo serão realizadas campanhas de prevenção e conscientização sobre o uso de drogas ilícitas, bem como o uso abusivo e dependência das substâncias psicoativas lícitas", diz a Alesc.
Câmeras em sala, fim do Halloween
Os parlamentares de Santa Catarina também aprovaram o PL 337/2023, que prevê a instalação de câmeras de monitoramento em salas de aula de Ensino Médio das redes pública e privada do estado. Pelas redes sociais, a autora do projeto, deputada Ana Campagnolo (PL), afirmou que a aprovação na Assembleia chancela sete anos de sua "luta" para justificar a necessidade da medida.
"As câmeras de monitoramento na sala de aula vão beneficiar os alunos, as famílias e os professores que estão fartos de ver a violência, os abusos e a desordem tomando conta das escolas", argumentou.
Também na área da educação, na mesma sessão, os deputados de Santa Catarina aprovaram um projeto de lei que proíbe a "prática de doutrinação política e ideológica em sala de aula" nas escolas públicas estaduais.
Segundo o texto, assinado pelo deputado Carlos Humberto (PL), professores, orientadores, diretores, coordenadores e outros funcionários subordinados à rede estadual ficarão proibidos de "institucionalizar" conteúdo pedagógico doutrinário "dentro ou fora de sala de aula". Também serão impedidos, pela proposta, de veicular em disciplinas obrigatórias "conteúdos que possam induzir aos alunos a um único pensamento político ou ideológico".
Os deputados ainda aprovaram projeto de lei que veda a celebração do Halloween (Dia das Bruxas) em escolas públicas estaduais. A proposta, de autoria do deputado Marcos da Rosa (União) e emenda da deputada Ana Campagnolo, prevê a proibição, dentro do ambiente escolar, de "qualquer evento, atividade didática ou comemorativa, decoração ou festividade que faça alusão à data ou a seus elementos característicos".
Segundo a Alesc, o objetivo do projeto é "resguardar a integridade cultural, ética e moral dos estudantes e preservar os valores educacionais e familiares da sociedade catarinense".

