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Justiça

Prisões de Heleno, Paulo Sérgio e Garnier rompem impunidade de militares que tramaram golpe

República é marcada por investidas sob a ideia de 'tutela' militar; antes dos detidos hoje, Braga Netto já estava preso de forma preventiva e também passará a cumprir pena

Augusto Heleno e  do Paulo Sérgio Nogueira foram presos pelo processo da trama golpistaAugusto Heleno e  do Paulo Sérgio Nogueira foram presos pelo processo da trama golpista - Foto: Lula Marques e Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil

O trânsito em julgado da condenação do núcleo crucial da trama golpista, sobretudo no caso dos oficiais generais, quebra o histórico de impunidade que marca as diversas tentativas de golpe empreendidas no Brasil.

Forjados na ideia de “tutela” e na visão de si mesmos como “poder moderador”, militares brasileiros participaram de movimentos de ruptura desde a Proclamação da República, mas nunca foram responsabilizados por isso. Agora que o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou o fim do processo, alguns deles já começaram a ser levados para a cadeia.

A concessão de anistias a integrantes da caserna é recorrente nos mais de 130 anos de período republicano. Do início da República até a ditadura instaurada em 1964, tentativas de golpe, algumas bem-sucedidas, assolaram presidentes, que também se beneficiaram delas.

Começou cedo, já que a própria proclamação é considerada um golpe dado pelo marechal Deodoro da Fonseca. Logo depois, houve insurreições ainda na Primeira República, entre 1889 e 1930, em episódios como a Revolta da Vacina e o tenentismo. Nas décadas seguintes, Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e João Goulart passaram por diferentes formas de pressão militar, que culminaram no golpe de 64.

Em setembro, a Primeira Turma do STF condenou os generais Walter Braga Netto, Paulo Sérgio Nogueira e Augusto Heleno, o almirante Almir Garnier, o tenente-coronel Mauro Cid e o capitão Jair Bolsonaro, além dos policiais Anderson Torres e Alexandre Ramagem. Nesta terça-feira (25), esgotou-se a possibilidade de recursos, e eles passarão a cumprir pena.

Apesar da participação dos seis oficiais do núcleo crucial, a trama relatada na investigação teve como freio fundamental a negativa dos comandantes do Exército e da Aeronáutica em aderir ao plano.

— Desde a Proclamação eles defendem uma doutrina informal, presente nas academias militares, de que têm uma tutela sobre a República. Entendem que herdaram o “poder moderador” do Império. Todos os pronunciamentos, golpes e contragolpes se utilizaram dessa doutrina da tutela militar sobre a República. O que se vê agora é a chance de deixar para trás essa tutela — aponta o historiador Francisco Carlos Teixeira, professor da UFRJ.

O histórico anseio golpista no país cria histórias curiosas, possíveis apenas por causa da impunidade que impera desde sempre. O marechal Odylio Denys, por exemplo, esteve no movimento tenentista na década de 1920, envolveu-se como ministro da Guerra na tentativa de impedir a posse de João Goulart e virou um dos principais conspiradores antes do golpe de 1964. Foram quatro décadas de atitudes golpistas.

Antes do tenentismo, que se rebelou contra a Primeira República e acabou impactando na Revolução de 1930, as primeiras décadas republicanas já haviam registrado movimentos pró-ruptura em episódios como a Revolta da Armada e a Revolta da Vacina. Na rebelião contra a vacinação, em 1904, tentou-se depor o presidente Rodrigues Alves. Militares como Lauro Sodré chegaram a ser presos enquanto respondiam a um inquérito, mas até uma figura emblemática do Direito brasileiro, Rui Barbosa, foi ao Congresso e propôs, sob aplausos, uma anistia.

Ditador em alguns momentos e presidente eleito em outro, Getúlio Vargas, que assumiu após a Revolução de 1930, também ela um golpe, viveu diferentes facetas do golpismo. Nele se embrenhou quando implementou o Estado Novo, em 1937, mas dele foi vítima ao ser deposto em 1945. São dois exemplos de rupturas bem-sucedidas.

Eleito em 1950, o líder do trabalhismo seria de novo assolado pela caserna na reta final do mandato e da vida, com a pressão exercida depois do atentado contra Carlos Lacerda, em 1954. Vargas cometeria suicídio naquele ano, depois de ser instado pelos ministros militares a renunciar. Só morto saiu do Palácio do Catete, como havia vaticinado.

Na sequência de Vargas, Juscelino Kubitschek lidou mais de uma vez com tentativas de golpe, com direito a rumores de que havia um movimento para impedir sua posse. No governo, enfrentou as revoltas de Jacareacanga, em 1956, e de Aragarças, em 1959.

— Juscelino pede anistia aos golpistas de 1956. Três anos depois, os anistiados fazem outra tentativa, e JK diz que não pediria anistia de novo. Mas não foi ele, e sim o Congresso, que pediu e aprovou nova anistia — explica o historiador Carlos Fico, professor da UFRJ e autor do livro “Utopia autoritária brasileira”.

Veio então a década de 1960, e João Goulart, herdeiro de Getúlio, passaria por duas tentativas de golpe — uma driblada e outra efetuada. Em 1961, depois da renúncia de Jânio Quadros, o então vice foi alvo de um pronunciamento de ministros militares que não queriam empossá-lo. Uma manobra de Tancredo Neves para criar o parlamentarismo permitiu a posse, também defendida pela "cadeia da legalidade" colocada em curso por Leonel Brizola no Rio Grande do Sul.

Com o exitoso golpe de 64, o país mergulharia em mais de 20 anos de exceção. Na reta final, a aprovação da anistia ampla, geral e irrestrita fez com que os responsáveis não fossem punidos.

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