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A luta infinita de Paulista, na Região Metropolitana do Recife, contra os alagamentos

Com mais de 342 mil habitantes, cidade cresceu em áreas sem condições adequadas para o escoamento de águaCom mais de 342 mil habitantes, cidade cresceu em áreas sem condições adequadas para o escoamento de água - Ricardo Fernandes/Folha de Pernambuco

Os constantes alagamentos em períodos de chuvosos em Paulista, no Litoral Norte de Pernambuco, têm se tornado um problema histórico do município. A falta de condições estruturais que realizem o escoamento da água acaba provocando alagamentos que atingem boa parte dos bairros. Com as mudanças climáticas, a tendência é que o problema se agrave ainda mais, tornando-se um dos maiores desafios para quem for assumir a gestão da cidade após as eleições municipais deste ano.

Paulista, com uma população de 342.167 habitantes e uma densidade demográfica de 3.529,97 habitantes por quilômetro quadrado, de acordo com o Censo de 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apresenta 60,8% de domicílios com esgotamento sanitário adequado. As queixas dos moradores ouvidos pela Folha de Pernambuco recaem sempre sobre a mesma questão: o problema é antigo e medidas do tipo Operação Inverno não adiantam porque são paliativas. 

Apesar das reclamações, o município tem um índice irrepreensível no que diz respeito à taxa de cobertura de vias públicas com redes ou canais pluviais subterrâneos na área urbana, comparado ao restante do Estado e também em relação ao Brasil. 

Segundo os dados mais recentes (2021) do Instituto Água e Saneamento, organização civil sem fins lucrativos que coleta informações sobre a universalização do saneamento no Brasil, a taxa de cobertura de vias públicas com redes ou canais pluviais subterrâneos na área urbana do Paulista é de 29,7%, percentual que é mais que o dobro do Estado (12,14%) e também maior que o do País (25,77%). 

Apesar desse índice animador, o munícipio, ainda de acordo com a mesma pesquisa, realizada há três anos, não tem sistemas de alerta para riscos hidrológicos, mas possui mapeamento de áreas de risco. 

“A história da ocupação daquele lugar é marcada pela presença do mar e do mangue, em uma região de retaguarda mais leve. Então, a expansão urbana que se deu, principalmente depois dos anos 1980, terminou se consolidando numa área que não tinha condições mais adequadas de escoamento das águas. Então, por ser muito plana, havia dificuldade de escoamento das águas. Isso criou um grande problema para os moradores”, destaca o consultor urbanístico Geraldo Marinho.

Geraldo é um dos autores do Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado da Região Metropolitana do Recife (PDUI-RMR), instrumento que visa estabelecer, com base em processo permanente de planejamento, as diretrizes para o desenvolvimento dos 15 municípios da Região, que foi entregue no final do governo Paulo Câmara.

Previsto no Estatuto da Metrópole, o PDUI é um dos principais instrumentos da gestão interfederativa e democrática das regiões metropolitanas, pois é nele que se definem as diretrizes para o desenvolvimento territorial estratégico, o macrozoneamento, os projetos estruturantes e as ações prioritárias para investimento.

O problema dos alagamentos no Paulista, deve-se, ainda segundo Marinho, à falta de planejamento quando a cidade foi ocupada e, com o crescimento, foi se agravando ao longo do tempo. “A cidade tem aquele núcleo histórico das fábricas, é uma história relativamente recente, claro, mas foi impulsionada no crescimento pelos conjuntos habitacionais dos anos 1980, e depois, mais recentemente, expandiu-se um bocado mais ali pela faixa costeira; e, agora, com os grandes condomínios de torres do Minha Casa, Minha Vida”, prossegue. 

Para o consultor, que também trabalhou no Plano Diretor do município há cerca de 20 anos, em momentos diferentes da história foram sendo ocupados espaços, especialmente entre a praia e a estuarina, áreas que hoje apresentam dificuldades de difícil resolução, porque são áreas relativamente planas e baixas. “As pessoas que estão vivendo ali vão enfrentar problemas como possível agravamento a partir da crise climática, que de alguma forma muito provavelmente vai provocar chuvas mais intensas, acúmulo maior de água”, acrescenta.

Na visão do urbanista, é preciso uma estratégia de longo prazo para remediar o problema, e não será fácil.  “Essas coisas dependem muito da capacidade de investimento. E a gente sabe que a Região Metropolitana tem pouca. O município do Paulista, embora seja um daqueles que tem uma grande dinâmica de crescimento econômico, não é rico. Então, não é um enfrentamento fácil”, analisa.

No município, há uma divisão de dois tipos de populações vulneráveis que sofrem com os problemas de alagamentos, segundo Marinho: a que mora em conjuntos habitacionais construídos nas décadas de 1980 e 1990; e a das ocupações mais informais, de loteamentos mais precários. 

“São duas situações diferentes. Paulista, em certa medida, não é um dos municípios com muitas favelas de ocupações espontâneas, comparado a outros da Região Metropolitana. Em alguma medida, tem um pouco mais de um traçado organizado do que os outros. Nesse sentido, tem uma vantagem”, explica Marinho, acrescentando que é preciso dar prioridade ao problema. “Nem sempre o imediatismo da política pensa nesse longo prazo”, analisa. 

 João Lacerda resolveu fazer uma intervenção por conta própria para não ser prejudicado pelos alagamentos   Foto: Ricardo Fernandes/Folha de Pernambuco


A comerciante Ane Tavares, 46 anos, que mora em Maranguape 1, conta que ficou ainda mais prejudicada com as chuvas recentes. “Nessa última chuva, entrou água na minha loja. As águas vieram com muita força, e esse canal que nos cerca está alagando muito rapidamente porque não está escoando a água, como era para ser feito. O pessoal está limpando, mas infelizmente a demanda da chuva está bem maior do que a capacidade da limpeza”, afirma Ane.

Valdemiro da Silva, 65 anos, que é taxista e reside em Pau Amarelo, destaca que o problema onde mora decorre, principalmente, da falta de calçamento das vias públicas. “Aqui, como em todos os subúrbios a maioria das ruas não calçadas acumula água. Isso causa muitos buracos e não tem manutenção depois. Quem já conhece, como eu que trabalho como taxista, fica fácil, mas para quem não conhece é difícil. A gente conhece (os buracos sob as águas) se é fundo, se não é. Quem não, é prejudicado”, esclarece ele.

O aposentado João Lacerda, 83 anos, que vive no Janga há quatro décadas, teve que fazer uma intervenção por conta própria para que a água não entrasse na casa dele. “Quando chove, a água sobe a calçada. Se não tivesse o batente que construí na entrada do hall, (a água) ia parar na escada. Se a maré estiver baixa, a água desce logo, mas se tiver alta… Quando chove, o pessoal anda de caiaque aqui na rua. Não tem galeria nenhuma, aí corre a água corre toda para rua”, ressalta o aposentado.

O comerciante Kleber Alves da Silva, 45 anos, morador do bairro de Conceição e tem um negócio na avenida Cláudio Gueiros Leite, relata que é um sofrimento chegar até o local de trabalho em dias de chuva. “As ruas sem calçamento tornam os problemas maiores. Agora mesmo, vim ao trabalho e entrei por uma das piores ruas que têm aqui, a São José do Egito, se não me engano. Entra ano, sai ano, a rua continua do mesmo jeito. Com chuva que deu agora, a rua ficou completamente alagada”, reclama.

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