[Opinião] Arraes e o PCdoB
Na trajetória de lutas de uma nação há combatentes que se salientam em algum momento. Poucos, entretanto, têm presença marcante por largo período – como Miguel Arraes, influente líder político por mais de cinco décadas. Oportuno lembrar três das suas melhores qualidades: a defesa persistente e conscienciosa da soberania nacional; uma enorme sensibilidade para com as condições de existência do povo e a manutenção de duradoura aliança com os comunistas, mantida em diferentes situações.
Firmeza na defesa de convicções é sem dúvida uma virtude, quando não resvala para a intransigência cega ou o anacronismo infenso às transformações da realidade. A compreensão de Arraes acerca da questão nacional – nas suas diversas dimensões -, ao contrário de alguns outros nacionalistas, jamais cheirou a naftalina. Ele cuidou de atualizá-la no tempo histórico e de fundamentá-la através do estudo acurado dos problemas.
A paciência para ouvir e a sensibilidade para captar o sentimento e as necessidades dos habitantes das periferias urbanas e do meio rural, em muito atenuou, nas três vezes em que governou Pernambuco, as limitações inerentes a um governante apegado a concepções e métodos de gestão antiquados, ultra-centralizadores. Isso se refletia no trato com membros do governo, que considerava ineficientes se incapazes de aliar a competência técnica ao relacionamento direto com o povo.
Líder inorgânico, praticamente sem intermediários na sua relação com o eleitor, nunca de empenhou em organizar partido político. Frequentou alguns e só se ocupou em dirigir, por alguns anos, o PSB, que presidia. No entanto, queixava-se da fragilidade da estrutura partidária brasileira e costumava mencionar o PCdoB como exemplo de organização lúcida e disciplinada. Em ocasiões de crise, quando a dispersão das correntes populares parecia predominar, sugeria que o Brasil poderia romper com a dominação estrangeira se se unissem os comunistas e as Forças Armadas em torno de um projeto nacional capaz de galvanizar o povo e amplos segmentos da sociedade.
A interlocução constante entre Arraes e o PCdoB em Pernambuco, por precisos vinte e seis anos, desde que retornou do exílio, forjou um relacionamento pautado pela confiança mútua e pela amizade, inabaláveis mesmo quando afloravam divergências e seguíamos caminhos discrepantes.
Num instante da vida nacional em que convicções e compromissos programáticos são postos a segundo plano, sob o predomínio do imediatismo inconsequente, importa reavivar a memória e a presença de Miguel Arraes.
Luciano Siqueira é vice-prefeito do Recife pelo PCdoB



