Seg, 22 de Dezembro

Logo Folha de Pernambuco
Blog da Folha

[Opinião] Conchavo jurídico?

[610]Sergio Moro[610]Sergio Moro - Marcelo Camargo/Agência Brasil
Por Jorge Waquim

Ainda estão quentes na panela, o que quer dizer que é ainda difícil de ingerir, quiçá digerir, as conversas entre o então juiz Sérgio Moro e o Procurador Deltan Dallagnol, além de outros procuradores, sobre as operações de investigação dos atos relacionados à operação lava-jato, e mais especificamente relativas ao processo em que foi condenado o ex-presidente Lula. Mesmo porque o site “The Intercept” promete que há mais ainda a ser revelado, incluindo áudios e vídeos.

No entanto, já sabemos que eles, o procurador e o juiz, não negam que as conversas reveladas são verdadeiras. E a partir daí, o que salta primeiro aos olhos é que essas conversas parecem constituir conchavos feitos entre duas partes do poder judiciário, promotores e juiz, com o fim de construir o cenário para condenar o ex-presidente.

Ora, segundo as leis brasileiras, o juiz não pode interferir no trabalho dos procuradores, nem a favor nem contra o acusado, pois ele é um árbitro, neutro portanto, tendo numa das mãos a balança para pesar os fatos, na outra uma espada para a condenação e os olhos vendados para cumprir a lei sem olhar a quem.

Assim, a expressão “conchavo jurídico” é, na verdade, um oximoro. Um oximoro (não é trocadilho, não, fiquem sabendo a leitora e o leitor) é uma expressão onde estão reunidas duas palavras com sentidos inversos e incompatíveis. Por exemplo, “violenta calmaria”, “agitada paz”, “eterno instante”. Reunir os dois termos na mesma expressão produz um oximoro, pois não pode haver acertos com quem julga, e o trabalho da justiça deve ser isento de conversas, que tenham o objetivo de inocentar ou condenar o réu, entre juízes e outras partes envolvidas.

O terreno da justiça, isso é claro, é definido como sendo o terreno da lógica, onde cada passo deve ser respeitado para se alcançar o julgamento e a consequente pena por delitos ou crimes: o julgamento é uma argumentação baseada em princípios (a lei) a respeito de fatos estabelecidos por investigadores. O trabalho do juiz é somente esse, construir a argumentação e não procurar empurrar as investigações, como parece ter feito o então juiz Sérgio Moro.

E veja, cara leitora e caro leitor, o que está lá no site do “Intercept”: “Juristas ouvidos pelo Intercept disseram que a proximidade entre procuradores e juízes é normal no Brasil – ainda que seja imoral e viole o código de ética dos magistrados”. Então, é assim que se manda gente para a cadeia no Brasil? Assustador.

O próprio juiz, todas e todos vão se lembrar, divulgou escutas consideradas ilegais pelo STF entre a presidente Dilma e o então investigado ex-presidente Lula da Silva. As escutas eram ilegais por terem incluído a presidente do país sem a necessária autorização do STF e também porque o período autorizado já tinha caducado. No entanto, o ex-juiz, agora ministro, foi recentemente a um “talk show” dizer que o mais importante não é a ilegalidade das escutas, mas, sim, a natureza do que nelas estava sendo dito. Mais um exemplo de como os fins justificam os meios?
O Brasil sempre esteve em busca de heróis em sua história. Moro, daqui por diante, talvez não caiba mais na fantasia.


Jorge Waquim é filósofo pela Universidade Paris Nanterre e Tradutor.
@Jwaq






Veja também

Newsletter