[Opinião] Lei Improbidade Administrativa: lei para inglês ver?
Anna Dolores Sá Malta, Conselheira do CARF, professora universitária e mestre em Direito
Anna Dolores Sá Malta, Conselheira da 3ª seção de julgamentos do CARF, professora universitária e mestre em Direito.
Quem lembra da Lei Feijó na história do tráfico de escravos no Brasil, sabe bem o significado da expressão “Lei para inglês ver”. Quando a referida lei foi promulgada não havia um real interesse de pôr fim à escravidão, na verdade, a proibição de importação de escravos foi apenas uma espécie de satisfação à Inglaterra, então potência econômica, que pressionava o Brasil pelo seu fim.
A Lei de Improbidade Administrativa (LIA), em vigor desde 1992, e suas alterações posteriores, guarda muita semelhança com a Lei Feijó: bons normativos e ideais contra a corrupção, mas pouca eficácia prática. Dificilmente ações de improbidade têm desfechos que favorecem o ressarcimento ao erário, seja pela mora em solucionar os litígios que culminam na prescrição, seja porque os órgãos que detêm legitimidade para propor a ação não possuem instrumentos suficientes que possam provar o ato ímprobo praticado.
No entanto, novos contornos na LIA mostram uma luz no fim do túnel: em 2020 foi aprovado a possibilidade de firmar acordo de não persecução cível em ações de improbidade, transação esta que já era prevista na resolução 179 do Conselho Nacional do Ministério Público desde 2017, mas proibida na LIA. Foi um grande ganho pra sociedade...
Agora, a LIA segue por novos caminhos, com mais algumas alterações batendo à porta, já que o Senado aprovou a supressão da modalidade culposa nos cometimentos de atos ímprobos. Mas fica a pergunta: a responsabilização dos maus gestores, que causaram danos efetivos ao erário apenas em sua forma dolosa, realmente evitará o “apagão das canetas”?
A adoção punitiva restrita à modalidade dolosa não é, necessariamente, sinônimo de impunidade; pode trazer racionalidade e segurança jurídica ao sistema. Muitos administrativistas defendem e afirmam que a possibilidade de sanção também na modalidade culposa – como está posta hoje, antes das alterações aprovadas no Congresso - tem afastado os bons gestores da vida pública.
Longe da tentativa de exaurir o tema, e as incontáveis alterações (boas e ruins) que se avizinham na LIA, a real aplicabilidade prática dos normativos, com modelos consensuais de soluções de conflitos e sanções direcionadas para quem cometeu dano ao erário de forma intencional é essencial para o real combate à corrupção, além de direcionar os esforços dos órgãos de controle e fiscalização para o verdadeiro mal que assola a gestão pública.



