[Opinião] Ó, Tipografia!
Porém, nessa empreitada nem tudo foi triunfal! Coexistem relatos catastróficos – como escritores reclamando que os leitores não terão nem tempo de ler os títulos, quanto mais os livros; compiladores de catálogos, que não sabiam se qualificavam o livro por tema ou ordem alfabética dos escritores; bibliotecários insatisfeitos com a demanda para atualizar os catálogos... Até o poeta inglês Andrew Marvell (1621-1678), em 1672, de forma espirituosa, reclamou sobre os rebuliços causados pela impressão, dizendo: “Ó, Tipografia! Como distorcestes a paz da Humanidade!”
E aqui, em terras tupiniquins, não foi diferente... Em 1923, ditos tão pitorescos quanto do poeta inglês foram os de Gilberto Freyre (1900-1987). Ele apelidou Gutenberg de “velho de Mainz”; zombou da prensa de tipos móveis feita por ele; e desqualificou a habilidade do inventor, dizendo que ele só precisou de uns paus e umas rodelas para fazer a tal máquina.
Mas não é que, anos depois (1930), exilado em Portugal e em meio às suas pesquisas pela Biblioteca Nacional, Freyre teve acesso justamente à conhecida Bíblia feita por Gutenberg? Não sei precisar o interesse dele quando fez tal pesquisa, ou o que ele conjecturou ao se deparar com um dos poucos exemplares do mundo do primeiro livro feito em massa no Ocidente (através da prensa do tipo móvel). Só sei que Freyre, em 1933, se consagrou no ofício de escritor exatamente quando as máquinas de impressão gráfica da Editora Maia & Schmidt produziram as 517 páginas do seu livro Casa-Grande e Senzala... Ó, Tipografia!
*Kelma Beltrão é doutora em Educação pela UFPE.



