[Opinião] Quando a tragédia não é acidente.
O que aconteceu com o museu nacional, no Rio de Janeiro nesta última madrugada, é tragédia, é perda inestimável, mas está longe de ser um acidente: é sinal inconfundível da disfunção do Estado brasileiro. Acidentes podem ocorrer, mas de acordo com as informações que vão chegando, manutenções cruciais não eram feitas há anos, as necessárias medidas de segurança não foram implementadas e não havia bombeiros de plantão, o que é praxe para lugares como aquele.
E essa disfunção se encontra por toda parte, em quase todas as esferas de ação do Estado, e em todos os entes da Federação. E com o que se perdeu ali, estima-se em vinte milhões de peças, foi-se parte da nossa memória, da nossa história, da nossa inteligência e, assim, do nosso futuro.
A inépcia do Estado em proteger o patrimônio nacional daquele porte apenas demonstra o seu modus operandi um pouco em todo o território nacional: patrimônio sucateado, instituições sem dinheiro, graves problemas de (in)segurança pública, escolas que pouco ensinam, equipamentos de saúde pública em mau estado, etc.
É preciso também mencionar a perda de patrimônio natural, a exemplo da floresta amazônica, que queima todos os dias na ausência de um Estado operante, e do cerrado no centro-oeste, que desaparece sob a força inexorável da soja, colocando em perigo a manutenção dos nossos grandes mananciais, bem como a situação de caos em todas as grandes cidades brasileiras, onde na ausência de um Estado racional e eficaz vidas são perdidas sob a epidemia da violência urbana.
Neste momento de eleições, as mais importantes e cruciais dos últimos trinta anos, urge discutir o papel do Estado brasileiro na manutenção do patrimônio nacional – natural, arquitetônico e humano – sem cair na sentença fácil do seu desmantelamento que muitos candidatos estão propalando em seus programas a título de discurso simples e rápido, como se, em um país com tão graves distorções sociais e de tão deficiente atuação por parte das empresas privadas, pudesse prescindir de uma atuação forte e eficaz do Estado.
Assim, ao invés de propor um liberalismo econômico às vezes radical (estranhamente mesclado de conservadorismo moral), como está acontecendo com talvez a metade dos candidatos ao cargo de presidente nas próximas eleições, deveríamos estar nos perguntando como melhorar o Estado, como fazer deste um provedor de serviços mais eficientes, propiciando mais a quem tem menos e menos a quem tem mais, para cumprir o que diz a Constituição de 88 e para seguir o exemplo do que acontece nas melhores democracias no mundo. Sob o risco de vermos mais incêndios como este acontecerem, mais vidas serem ceifadas e mais patrimônio natural sendo desperdiçado.



