PEC da Blindagem enfrenta possível inconstitucionalidade e risco político
Especialistas apontam que proposta resgata modelo de impunidade e pode ter impacto em 2026
A aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 3/2021 (chamada de "PEC da Blindagem"), pela Câmara dos Deputados reacendeu a discussão sobre os limites constitucionais e os impactos políticos da medida. O documento restabelece a exigência de autorização das casas legislativas para que deputados e senadores sejam processados criminalmente, regra que vigorou entre 1988 e 2001 e que, segundo especialistas, contribuiu para a impunidade parlamentar.
O professor de direito constitucional da Universidade de Pernambuco (UPE), Glauco Salomão Leite, explica que, à época, o Supremo Tribunal Federal (STF) ficava de mãos atadas, já que a abertura de processos dependia de aval da Câmara ou do Senado, o que raramente acontecia.
Esse modelo levou a casos emblemáticos, como o assassinato de Márcia Barbosa, na Paraíba, em que a Assembleia Legislativa da Paraíba (ALEPB) barrou sucessivas tentativas de responsabilizar um deputado estadual. O episódio acabou resultando na condenação do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, que considerou a regra incompatível com tratados internacionais.
Inconstitucionalidade
Para Glauco, a atual PEC reedita esse mecanismo de blindagem, violando princípios constitucionais como a igualdade e a separação dos poderes. Ele destaca que a medida amplia privilégios injustificados e compromete o funcionamento da jurisdição.
“Já houve uma série de aprendizagens. E eu diria o seguinte: da forma como a PEC está colocada, sim, ela apresenta vício de inconstitucionalidade. Primeiro, porque viola cláusula pétrea relativa ao direito à igualdade, ao criar um privilégio sem justificativa”, disse.
Segundo o constitucionalista, o Supremo tem entendimento de que regras que concedem proteção em razão do cargo são exceções ao princípio da isonomia, e por isso devem ser interpretadas da maneira mais restritiva possível. “A PEC faz o contrário, amplia o sistema de blindagem e acentua a desigualdade”, ressaltou.
Impopularidade
Já o cientista político Hely Ferreira chama atenção para uma suposta distância entre eleitores e Parlamento. Ele observa que propostas impopulares avançam porque grande parte da população não acompanha a atuação legislativa e, portanto, não cobra.
“Muitos sequer lembram em quem votaram para deputado ou senador. Essa ausência de fiscalização abre espaço para medidas que não refletem os interesses do povo”, afirmou. Para ele, o impacto real será medido nas eleições do ano que vem, quando os eleitores terão a oportunidade de julgar os parlamentares que apoiaram a proposta.
Com a tramitação agora no Senado, o texto precisará de dois turnos de votação e apoio de três quintos dos parlamentares para ser aprovado. O cientista político Arthur Leandro acredita que, entre senadores, a PEC deve enfrentar maior resistência.
Segundo ele, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) tende a filtrar pontos que geram maior desgaste — sobretudo voto secreto para autorizar processos e a ampliação do foro para presidentes de partidos. “Se houver concessões nessa linha, o texto pode ganhar tração. Sem ajustes, a resistência deve prevalecer”, afirmou.
Benefícios
Apesar da pauta impopular, com diversos eleitores cobrando seus deputados publicamente pelo voto favorável à proposta, o benefício é imediato.
“Há custo reputacional para os deputados. Por que, então, votar ‘sim’ numa pauta impopular? Porque, no cálculo de muitos, o benefício é imediato e certo: trata-se de um ‘seguro’ contra ações penais e medidas cautelares sem aval da Casa. Há ainda um ganho tático: ao aprovar na Câmara, o Legislativo eleva seu poder de barganha perante o STF e já ancorou a negociação em um texto mais protetivo”, argumentou.
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Caso avance, especialistas apontam que dificilmente escapará de questionamentos no Supremo Tribunal Federal, onde poderá ser derrubado por uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI). Paralelo a isso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) classificou a proposta como “desagradável”, além de afirmar que votaria contra a PEC se fosse deputado, sem indicar, no entanto, se vetaria o projeto.



