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Marcella Balthar

Adaptação Climática: Conceitos, Caminhos e Desafios

Enquanto a mitigação busca reduzir as causas das mudanças climáticas, principalmente por meio da diminuição das emissões de gases de efeito estufa, a adaptação procura ajustar sociedades, ecossistemas e economias aos impactos já inevitáveis. Já a resiliência representa a capacidade de resistir, recuperar-se e se transformar diante desses choques climáticos. Se a mitigação age sobre o futuro, a adaptação age sobre o presente. E é neste presente que o tempo se encurta: mesmo com esforços globais de descarbonização, o aumento da temperatura média já ultrapassa 1,2°C, tornando a adaptação uma necessidade urgente e inadiável para garantir vidas, territórios e economias.

A adaptação climática é, portanto, o processo de ajustar pessoas e sistemas aos efeitos reais ou esperados das mudanças do clima, reduzindo danos e aproveitando oportunidades. Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), ela deixou de ser apenas uma reação a desastres e passou a ser parte central do desenvolvimento sustentável. O relatório mais recente destaca a chamada adaptação transformacional, que muda de forma profunda estruturas ecológicas, sociais e econômicas.

Os conceitos de vulnerabilidade, exposição e risco ajudam a entender esse processo. Vulnerabilidade é o quanto um sistema é capaz ou não de lidar com impactos. Exposição é estar presente em áreas afetadas. Risco é a combinação entre ameaça, exposição e vulnerabilidade. Essa base orienta políticas públicas em vários países, inclusive no Brasil.

Mesmo com reduções de emissões, o planeta seguirá enfrentando eventos extremos. O aumento de 1,2°C na temperatura média global já causa secas, enchentes e crises alimentares. A adaptação tornou-se, portanto, indispensável. Segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP), o déficit de financiamento global para adaptação ultrapassa US$ 360 bilhões por ano. Sem recursos, as desigualdades crescem e as populações mais pobres são as que mais sofrem.

Adaptação é também uma questão de justiça climática. Países com baixa contribuição histórica às emissões são os que mais enfrentam os impactos. Na América Latina, secas prolongadas e enchentes urbanas já ameaçam a segurança alimentar e energética. É essencial que políticas de adaptação considerem as diferenças sociais, de gênero e de território.

Tipos e Estratégias de Adaptação
Adaptação Estrutural 
Envolve obras e tecnologias que reduzem a exposição e os danos, como diques, barragens e drenagens. Cidades como São Paulo e Recife têm investido em projetos de drenagem para enfrentar chuvas intensas. Porém, soluções puramente técnicas podem criar novos riscos ou transferi-los a outras comunidades. Hoje, fala-se em infraestrutura resiliente, flexível e integrada à natureza.

Adaptação Baseada na Natureza (NbS) 
Essa abordagem usa os ecossistemas como aliados. Restaurar manguezais, reflorestar nascentes e recuperar áreas úmidas são exemplos de ações que reduzem riscos e fortalecem a biodiversidade. O Equador e a Colômbia têm bons exemplos de políticas desse tipo. Estudos mostram que cada dólar investido em restauração pode gerar até sete dólares em benefícios sociais e ambientais.

Adaptação Social e Comportamental 
A força das comunidades é um fator decisivo. Programas de educação ambiental, comunicação de risco e planejamento participativo ampliam a resiliência. No Semiárido brasileiro, o uso de sementes crioulas e a gestão da água por comunidades locais mostram como o conhecimento tradicional é essencial. Como afirma a socióloga Gabriela Merlinsky, a adaptação só é real quando reconhece o território como sujeito político.

Adaptação Institucional e Política 
Governos precisam criar estruturas sólidas para planejar e coordenar ações. O Plano Nacional de Adaptação (PNA), lançado em 2016, é uma tentativa brasileira de integrar políticas setoriais. Apesar dos avanços, sua execução ainda é irregular. Já países como México e Costa Rica têm conseguido consolidar políticas de adaptação ligadas às metas de desenvolvimento sustentável.

Exemplos na Prática
No Brasil, o programa Um Milhão de Cisternas levou água e autonomia a famílias do Semiárido. Em São Paulo, o projeto de macrodrenagem do Rio Tietê busca conter enchentes com áreas de amortecimento e parques lineares. No Sul, cidades como Porto Alegre vêm incorporando dados climáticos na gestão urbana e na saúde pública. A agricultura também avança com práticas de agroecologia e uso de bioinsumos.

Na América Latina, há soluções criativas. O Peru reativou antigas estruturas pré-incas de recarga de água, as amunas. O Chile criou um plano nacional de adaptação agrícola. Honduras e Guatemala apostam em agricultura inteligente, e o Uruguai fortalece políticas de adaptação costeira. A região mostra que é possível unir conhecimento local, governança e inovação.

Desafios e Caminhos Futuros
O principal obstáculo ainda é o financiamento. Os países em desenvolvimento precisarão entre US$ 160 e US$ 340 bilhões anuais até 2030, mas recebem menos de US$ 50 bilhões. Além da falta de recursos, há o desafio de integrar políticas e medir resultados. A adaptação gera benefícios de longo prazo, difíceis de quantificar, o que reduz o interesse de investidores privados.

O IPCC também alerta para os limites da adaptação. Alguns ecossistemas e territórios podem chegar a um ponto em que nenhuma medida será suficiente, como recifes de coral que desaparecem ou geleiras que derretem de forma irreversível. Reconhecer esses limites é essencial para planejar transições justas e evitar ilusões de controle.

Outro desafio é a fragmentação entre ministérios e níveis de governo. Falta integração e dados consistentes para monitorar resultados. Municípios e comunidades estão na linha de frente, mas ainda têm pouca capacidade técnica e recursos.

O futuro da adaptação depende da união entre ciência, política e sociedade. O investimento em soluções baseadas na natureza, o fortalecimento das instituições e a promoção da justiça climática são caminhos centrais. 

O tempo de reagir passou. Agora é hora de adaptar.

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