Crianças e Emergências Climáticas: O Futuro do Brasil Está em Risco
No Brasil, 40 milhões de crianças e adolescentes estão hoje expostos a riscos climáticos extremos. O número, divulgado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), representa 60% de toda a população infantojuvenil do país e revela uma realidade alarmante: os impactos das mudanças climáticas atingem com mais força justamente aqueles que menos podem se proteger.
Enquanto os eventos extremos se tornam mais frequentes e intensos, seus efeitos recaem desproporcionalmente sobre as crianças. Segundo estudo publicado na revista Science, uma criança brasileira nascida em 2020 viverá, ao longo da vida, 6,8 vezes mais ondas de calor e 2,8 vezes mais inundações do que alguém nascido em 1960. Esses números não são apenas projeções, são alertas sobre o futuro que estamos permitindo acontecer.
A vulnerabilidade infantil frente às mudanças climáticas se revela de múltiplas formas. Fisicamente, bebês e crianças pequenas têm sistemas corporais ainda em formação, o que os torna mais suscetíveis ao calor extremo, à desidratação e a doenças respiratórias. A exposição a contaminantes no ar e na água pode comprometer de forma permanente o desenvolvimento neurológico. Cognitiva e emocionalmente, as crianças não têm maturidade para entender ou reagir com clareza a situações de risco. Elas vivenciam o trauma sem conseguir nomeá-lo, e muitas vezes sem o apoio necessário para superá-lo. Do ponto de vista social, o rompimento de laços familiares e comunitários, a destruição de escolas e a desestruturação de serviços públicos aprofundam ainda mais a vulnerabilidade.
No Nordeste, a situação é ainda mais crítica. Dados do IBGE revelam que 73% das crianças em Pernambuco vivem na pobreza, e, segundo o estudo “Cenários Climáticos Futuros do Brasil” do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), cerca de 1 milhão de pessoas no estado residem em áreas vulneráveis a eventos extremos, como enchentes, secas e deslizamentos. Pernambuco é o terceiro estado com maior número de pessoas nessa condição. As projeções para a região indicam chuvas abaixo da média, aumento prolongado das temperaturas e a possível transformação do semiárido em uma zona de aridez absoluta.
Para as crianças, isso significa comprometimento no desenvolvimento cognitivo devido à escassez de água potável, interrupções recorrentes na educação, agravamento da desnutrição pela insegurança alimentar e maior exposição a doenças como dengue, zika, chikungunya e malária. Segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), 50% dos casos de pneumonia infantil e 44% dos casos de asma têm relação direta com a poluição do ar. Estima-se ainda que a poluição ambiental contribua para aproximadamente 600 mil mortes de crianças todos os anos.
No campo da educação, as consequências também são severas. De acordo com dados do Ministério da Educação (MEC), os eventos climáticos de 2024 provocaram a suspensão de aulas para 1,18 milhão de estudantes. No Rio Grande do Sul, as enchentes impediram o funcionamento de escolas, afetando a maioria absoluta da rede. No semiárido, aproximadamente 450 mil crianças estudam em instituições sem acesso a água potável ou banheiros adequados, uma condição agravada durante períodos prolongados de estiagem.
Além disso, desastres naturais ampliam consideravelmente os riscos de violação de direitos. Durante as enchentes de 2024 no Rio Grande do Sul, levantamento do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) apontou que mais de 3.930 crianças de até cinco anos foram deslocadas para abrigos públicos. Em contextos de emergência, crescem os casos de violência física, psicológica e sexual contra crianças e adolescentes, especialmente meninas negras e indígenas, segundo o relatório “Crianças e Mudanças Climáticas” da UNICEF Brasil.
Embora o Brasil tenha aderido, em 2023, à Declaração Intergovernamental sobre Crianças, Adolescentes, Jovens e Mudanças Climáticas, compromissando-se a incluir esse público em sua resposta climática, ainda há um longo caminho até que esse compromisso se converta em ações efetivas. É urgente a implementação de protocolos nacionais específicos para a proteção infantil em emergências. O Plano Nacional de Proteção e Defesa Civil precisa incluir diretrizes voltadas exclusivamente para a infância. Da mesma forma, programas de transferência de renda devem priorizar famílias com crianças pequenas em áreas de risco climático.
Nos estados e municípios, é fundamental criar comitês de proteção para a infância em contextos de emergência, adaptar escolas e unidades de saúde às novas realidades climáticas e desenvolver sistemas de alerta precoce que levem em conta o grau de vulnerabilidade infantil em diferentes territórios. A atuação da sociedade civil, por sua vez, deve incluir a capacitação contínua de profissionais que lidam com crianças, o fortalecimento de redes comunitárias de apoio e a mobilização de recursos específicos para resposta humanitária com foco na infância.
Mais do que reagir às crises, precisamos investir em prevenção. Isso inclui educação ambiental e climática nas escolas, com conteúdos adequados a cada faixa etária, infraestrutura pública resiliente a eventos extremos e, acima de tudo, a participação ativa de crianças e adolescentes nos debates sobre políticas públicas. Reconhecê-los como sujeitos de direitos é um passo essencial para qualquer sociedade que deseje um futuro sustentável.
As mudanças climáticas representam hoje a maior ameaça aos direitos das crianças no século XXI. E proteger a infância é proteger o futuro do Brasil. O tempo para agir é agora. Cada dia de inércia significa mais crianças expostas a riscos, mais famílias devastadas e mais direitos fundamentais violados. A construção de um país resiliente, justo e seguro começa com o compromisso de não deixar nossas crianças para trás.



