Sex, 05 de Dezembro

Logo Folha de Pernambuco
Tecnologia e Games

“Shareting”: além da superexposição, conheça outros riscos das contas de crianças e bebês nas redes

Pesquisas revelam como a prática pode causar uma série de impactos para a saúde das crianças 

Compartilhamento da imagem nas redes sociais pode trazer uma série de prejuízosCompartilhamento da imagem nas redes sociais pode trazer uma série de prejuízos - Freepik/Reprodução

Realizar o compartilhamento de imagens e informações de crianças nas redes sociais pode causar danos que vão além da superexposição. O debate, que ganhou maior destaque no Brasil depois da divulgação de um vídeo do youtuber Felca sobre adultização, abre espaço para a discussão sobre os possíveis impactos do “sharenting”.

O termo, que vem do inglês e é uma junção de "share" (compartilhar) com "parenting" (parentalidade), é usado para descrever a exposição excessiva da vida de crianças nas redes sociais por seus pais ou responsáveis.

De acordo com levantamento realizado por pesquisadores da UniCesumar, no Paraná, com base em estudos internacionais sobre o tema, mais de 80% das crianças em países ocidentais têm presença online antes dos dois anos, destacando a precocidade dessa exposição digital.

Percepção da própria imagem ou personalidade podem ser distorcidasPercepção da própria imagem ou personalidade podem sofrer impacto | Foto: Freepik/Reprodução

A criação de redes sociais, até mesmo para bebês, expõe as crianças a uma série de riscos. Entre eles, o roubo de identidade, o cyberbullying (a prática de bullying no ambiente virtual) e a exploração comercial de suas imagens, além de danos psicológicos. 

O estudo, realizado pelos pesquisadores Lucas França Garcia, Sophia Ivantes Rodrigues e Leonardo Pestillo de Oliveira, foi focado em quatro eixos principais: privacidade e segurança digital, implicações psicológicas e culturais, dinâmica social e familiar, e a resposta legal e social à prática. 

Alto tempo de uso das redes sociais
De acordo com o relatório Digital 2024, divulgado pela agência de comunicação We Are Global, o Brasil está em segundo lugar no ranking de tempo gasto em redes sociais, com uma média de 9h13 semanais.

Segundo o professor de Psicologia Social da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, Sérgio Kodato, o uso excessivo das plataformas digitais pode gerar grandes impactos como distorção da percepção da autoimagem ou do autoconceito, por exemplo.

Isso porque, durante o período da infância e adolescência, as faculdades mentais ainda estão em formação. Dessa forma, o ambiente digital pode exercer grande influência inclusive sobre as crenças pessoais, capacidades, qualidades e até mesmo defeitos. 

“A autoimagem e o autoconceito podem ser fortemente influenciados pelo feedback das redes sociais, tornando-as mais vulneráveis às críticas e rejeições”, comenta o especialista.

Consequências da exposição precoce
Entre os principais riscos identificados pelos pesquisadores estão os danos psicológicos, como sentimentos de vergonha e frustração nas crianças que costumam ser expostas sem o consentimento. 

Além disso, o estudo revelou que a criação de redes sociais para bebês e crianças costuma estar relacionada a atritos familiares, especialmente quando avós ou outros parentes publicam imagens sem a autorização dos pais.

"Embora o 'sharenting' não seja um crime por si só, ele facilita a ocorrência de delitos graves, como a disseminação de imagens em redes de pedofilia ou o uso indevido de fotos em fraudes digitais", alerta o professor Garcia. 

Segundo informações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), além dos impactos psicológicos, como ansiedade, depressão e dependência, o uso ou exposição excessiva das redes sociais para crianças pode gerar problemas físicos, como transtornos de sono e alimentação, sedentarismo e problemas posturais. 

Caso da filha de Neymar é exemplo
Recentemente, uma polêmica envolvendo Helena, filha de Neymar com a modelo Amanda Kimberlly, apontou para os perigos da exposição nas redes sociais. Em postagem no Instagram, a mãe da criança destacou os ataques que a filha, que tem apenas 1 ano de idade, sofre nas redes sociais com montagens que são criadas para ridicularizar a criança. 

Neymar com Amanda Kimberlly e a filha HelenaNeymar com Amanda Kimberlly e Helena | Foto: Instagram/Reprodução

Para evitar a questão, Amanda afirmou ter optado por evitar a postagem de fotos da criança nas redes sociais. Além disso, ela também solicitou que familiares só realizem postagens caso recebam o seu consentimento. O cuidado é visto como essencial não apenas para a imagem da criança. 

"A criança e o adolescente não devem ter vida pública nas redes sociais. Não sabemos quem está do outro lado da tela. O conteúdo compartilhado publicamente, sem critérios de segurança e privacidade, pode ser distorcido e adulterado por predadores em crimes de violência e abusos nas redes internacionais de pedofilia ou pornografia, por exemplo", explica a coordenadora do Grupo de Saúde Digital da SBP, Evelyn Eisenstein.

Influencers mirins 
Nos últimos anos, o avanço de crianças “influencers” com status de celebridade é visto com preocupação por especialistas. Isso porque a exposição, somada ao estímulo de familiares e o respaldo de patrocinadores, podem causar grandes prejuízos. 

“Essas crianças constroem uma vida falsa, de imagens, e não uma vida de experiências reais. E os pais estão colaborando para a construção de uma personalidade moldada para agradar a imagem que fazem da pessoa, ou seja, de um falso self. A criança começa a passar por essa situação desde pequena. Muitas vezes, por trás desse perfil falso, pode existir um grande vazio. A exploração dessas crianças por parte dos pais é uma forma de abuso infantil”, aponta o coordenador do Grupo de Trabalho de Saúde Mental, Dr. Roberto Santoro. 

Crianças podem construir uma imagem falsa "Crianças constroem uma vida falsa, de imagens, e não uma vida de experiências reais", afirma especialista | Foto: Freepik/Reprodução

Segundo o especialista, a exploração dos filhos pode englobar múltiplos aspectos como o interesse econômico e o narcisismo patológico. “Existe o ganho financeiro, que é evidente, o de ganhar dinheiro em cima da exploração dos filhos. Mas existe também uma questão de patologia do narcisismo. Isso significa que os pais realizam seus sonhos frustrados de sucesso, de projeção e de fama por meio dos filhos”, avalia.

Responsabilidade parental
Roberto Santoro ainda alerta que o "sharenting" traz perigos objetivos e subjetivos ao desenvolvimento da criança.

“Acho que a gente tem que partir primeiro de uma questão de princípio. A vida da criança não pertence aos pais. Eles são promotores do desenvolvimento da criança e do adolescente e têm que zelar por esse desenvolvimento, para que ocorra de uma maneira coerente e equilibrada, rumo a uma idade adulta em que a pessoa consiga se realizar plenamente de acordo com os seus potenciais”, observa.

Proteção legal já existe
O artigo 17 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) determina que toda criança e adolescente tem o direito inviolável à integridade física, psíquica e moral, o que inclui a preservação da imagem, identidade e intimidade. 

O ECA estabelece, ainda, que “é dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente”. Dessa forma, os pais ou responsáveis que descumprem as diretrizes podem ser processados. Nesse caso, é preciso que a criança ou adolescente sejam representados por um tutor legal ou responsável que não esteja envolvido na exposição. 

Veja também

Newsletter