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Nelson Rodrigues, cine Paissandu e Garrincha

Era figura de muitos amigos. E alguns inimigos. Mas sabia ser gregário. Vivia cercado de conversas

Era figura de muitos amigos. E alguns inimigos. Mas sabia ser gregário. Vivia cercado de conversasEra figura de muitos amigos. E alguns inimigos. Mas sabia ser gregário. Vivia cercado de conversas - Reprodução

Entre 1957 e 1979, O Globo, do Rio, publicou crônicas de Nelson Rodrigues. Época de transformações e mudança social. O jornalista pernambucano (1912-1980) certificou as alterações da paisagem brasileira com corrosiva ironia. E brilhante originalidade. Deixando a política de lado, abordou o novo comportamento da sociedade. Seus modos e modas. Que, no conjunto, o organizador Ruy Castro intitulou de O remador de Ben-Hur - Confissões culturais (Companhia das Letras, São Paulo, 1996).

Era figura de muitos amigos. E alguns inimigos. Mas sabia ser gregário. Vivia cercado de conversas. Na crônica de 16.09.1962, ele conta que Oto Lara Resende o chama ao telefone e pergunta:

- Vamos almoçar com o poder econômico? O poder econômico era Zé Luís, do Banco Nacional de Minas Gerais. Foram. Sentaram-se à mesa. Zé Luís avisou que Garrincha estaria presente. O banqueiro ajudava os jogadores com empréstimos. Daí a pouco, chega Garrincha. Escreve Nelson: “Foi um quadro de Pedro Américo o aperto de mão do Zé Luís e do Garrincha. Estavam lá, também, Zagalo e Sandro Moreira. Zé Luís, o banqueiro de todos”.

Oto Lara Resende foi amigo. Depois, tornou-se ex-amigo. Nelson chegou a colocar o seguinte nome em uma de suas peças: “Bonitinha, mas ordinária ou Oto Lara Resende”. Ainda amigos, Oto olhou-se no espelho. Descobriu em suas costeletas a neve da idade. Foi um baque para ele. Descreve Nelson: “Não teve outro remédio senão inaugurar a própria velhice. (...). Segundo Oto, um moço não é nunca um imbecil. Qualquer imbecil de vinte e um anos é um Rimbaud”.

Politicamente, Nelson era de direita. E não perdoava a esquerda. Nem seus símbolos. O cinema Paissandu era um desses emblemas. Nelson disse assim: “Os idiotas da objetividade pode imaginar que um cinema é igual a outro cinema. A única dessemelhança perceptível estaria nas pulgas. Em certas salas de projeção são mais vorazes e coçam mais. O Paissandu é caso único. Assim como o Antonio’s foi um restaurante ideológico, assim como Paris tem seus cafés literários, o Paissandu era o cinema mais inteligente da América Latina”.

Outro de seus confrontos era o Cinema Novo. Nelson escreveu: “Ultimamente apareceu o Cinema Novo. Faço a pergunta sem achar resposta: o que é o Cinema Novo e o não é o Cinema Novo? Até que vi o filme Macunaíma. Descobri subitamente tudo. Eis a verdade total: quando Grande Otelo aparece nu, temos o Cinema Novo. Quando Grande Otelo aparece vestido, temos o cinema velho”.

Grato. Nelson soube ser. Gravou na crônica de 21.10.1969 o seguinte: "Eu não estaria rabiscando estas notas se não fosse Roberto Marinho. Em 1935, eu poderia sentar em qualquer meio-fio e banhar-me no meu próprio sangue. Fui para Campos de Jordão, onde até os pombos, até os pardais, tinham hemoptises. Durante três anos, mês após mês, meu patrão Roberto Marinho pagou-me os vencimentos integrais. Eu não era ninguém, não tinha nome".

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