Nomes da soberania. Ou a onça caetana
Tarifaço abre janela soberana ao Brasil. Na prática, o consumidor paga caro por bens desatualizados
"Deixe que me sinta mais gente pela ventura de contigo ter andado, de mãos dadas, por caminhos duros ou macios, em horas de riso ou de tristeza".
Antônio Maria, em Discurso a Caymmi.
Quem defende a democracia? Antonio Gueterres ou Donald Trump? Emmanuel Macron ou Netanyahu? A democracia precisa de quem a defenda. Porque, como disse Barack Obama, a democracia não é auto-executável.
No mundo contemporâneo, a democracia sobrevive ou é morta no campo sensível das instituições. Por meio da infiltração (ou não) de atos ilegais no aparelho do Estado. Feita por golpistas que buscam destruir o regime democrático. Pregando a mentira sobre o funcionamento de órgãos do Estado; ou exercendo chantagem política na elaboração de leis mediante o controle do Legislativo; ou substituindo juízes por julgadores de sua confiança para subjugar o Judiciário.
O tarifaço de Trump abre janela soberana ao Brasil. Porque a economia brasileira é uma das mais fechadas do mundo. Com muro tarifário de valores acima da média mundial. Na prática, o consumidor brasileiro paga caro por bens desatualizados. Na tecnologia e na inovação. Por isso, os produtos nacionais não são competitivos no mercado mundial. É urgente abrir o mercado brasileiro. Baixando tarifas. E aumentando a produtividade. Para ter competitividade.
Esta é uma dimensão da soberania brasileira. Soberania que compreende várias ouras dimensões. Esta ideia me veio após o almoço. Passando por minha estante. Desfilando títulos e autores lá desarrumados. À medida que os ia vendo, sentia na retina (e na alma) nosso país. Ali estão pedaços da soberania brasileira. Na economia, na arquitetura, na literatura, na ecologia, no cinema, na tecnologia, na gestão, na saúde, na educação. Porque soberania são realizações, tradições, crenças, o conjunto de fazeres de um povo.
Assim: Roberto Campos, Celso Furtado, Edmar Bacha, Oscar Niemayer, Aloísio Magalhães, Lina Bo Bardi, Roberto Burle Marx, Clovis Cavalcanti, Sebastião Salgado, Marina Silva, Ailton Krenak, Glauber Rocha, Kleber Mendonça Filho, Fernanda Torres, Fernanda Montenegro, Nelson Pereira dos Santos, Cacá Diegues, Arnaldo Jabor, Walter Sales, Heitor Villa lobos, Antônio Carlos Jobim, Chico Buarque, Pixinguinha, Gilberto Gil, Ary Barroso, Cândido Portinari, João Câmara, Cícero Dias, Guimarães Rosa, João Cabral de Melo Neto, Clarice Lispector, Machado de Assis, Carlos Drummond de Andrade, Mario de Andrade, Gilberto Freyre, Anísio Teixeira, Paulo Freire, Pelé, Garrincha, Ronaldo fenômeno, Nise da Silveira, Carlos Chagas, Ivo Pitangui, Roberto Marinho, Assis Chateaubriand, Antônio Ermírio de Moraes, Olavo Setubal. E Joãozinho Trinta.
Aqui está a soberania brasileira. Representada por fração de sua inteligência. Aqui está breve expressão da ciência e da arte brasileiras. Quando se fala em soberania, é desses valores e suas obras que se está tratando.
No final de contas, o tarifaço abriu espaço soberano ao Brasil. Por ele, reapareceu na janela da várzea, onde moro, a onça caetana. Onça caetana é personagem de Ariano Suassuna. Em O Romance da Pedra do Reino. A onça é uma alegoria. Animando elemento estético. No imaginário popular. Diante da dureza da vida. Em problema doméstico ou ameaça de fora. A onça caetana, vestida de coragem lúdica, venceu a traição. E desfraldou, no azul da lucidez, o sonho da beleza de fazer o bem. O justo.



