"Até a Última Gota" é drama social com boas intenções e condução simplista

É inegável: “Até a Última Gota”, novo drama da Netflix dirigido por Tyler Perry, tem uma causa importante nas mãos. Inspirado em histórias reais, o filme estrelado por Taraji P. Henson expõe a violência estrutural enfrentada por mães negras, solo e pobres nos Estados Unidos. Na tentativa de reforçar ao máximo sua mensagem, a produção opta por uma abordagem bastante direta, que em alguns momentos pode soar excessivamente explicativa e pouco sutil em suas intenções.

A trama acompanha Janiyah, uma mãe solo de Atlanta, que em um único dia perde o emprego, é despejada e, com a filha doente, decide assaltar um banco. A sucessão frenética de acontecimentos pode parecer exagerada em um primeiro momento, mas acaba funcionando como um bom recurso para transmitir ao público a mesma sensação de sufocamento e desespero vivida pela protagonista. Ao não dar espaço para pausas, o filme transforma o caos da narrativa em um reflexo direto da exaustão emocional que move Janiyah a tomar decisões extremas.

Taraji P. Henson entrega uma atuação dedicada, especialmente nos momentos em que o roteiro lhe permite explorar nuances mais sutis da personagem. Sua presença em cena é um dos principais pilares emocionais do filme. A direção pode ser pouco ousada e a montagem sem grande inventividade, é verdade. As cenas de tensão dentro do banco, por exemplo, carecem de um tratamento visual e sonoro que amplifique a sensação de urgência e confinamento que a situação pede. Ainda assim, a jornada da protagonista instiga a irmos até o fim.

A construção de Janiyah adota um recorte direto e simbólico, o que reforça a mensagem central do filme. Ao representar as figuras que cruzam seu caminho como expressões claras de opressão, de um chefe insensível a policiais autoritários, o roteiro opta por uma abordagem que destaca o peso das estruturas sociais de forma imediata, ainda que pareça rasa. Essa escolha pode até abrir mão de nuances mais complexas, mas ajuda a evidenciar o sentimento de sufocamento e desigualdade que move a narrativa.

Taraji P. Henson, no papel de Janiyah, entrega uma performance vulnerável e de cansaço acumulado de quem está à beira de um colapso. A atriz conduz a personagem com uma combinação de fragilidade e explosão emocional, conseguindo criar momentos de conexão genuína com o público. 

A relação que se constrói com a detetive interpretada por Teyana Taylor também é um dos pontos que mais funcionam no longa, especialmente por trazer um olhar de empatia e escuta em meio ao caos. O desempenho de Taylor, com um olhar contido e uma calma estratégica, ajuda a equilibrar o excesso de emoção das outras cenas.

A causa de “Até a Última Gota” é legítima, urgente e o filme não hesita em reforçá-la ao longo da narrativa. A escolha de Tyler Perry por uma abordagem mais direta e emocional faz com que a história alcance um público mais amplo, traduzindo a complexidade da realidade em um drama acessível, de rápida conexão e fácil entendimento.

Visualmente, o filme pode não buscar grandes ousadias, mas aposta na simplicidade para concentrar a atenção no drama humano. A direção prefere não desviar o foco da protagonista, usando a repetição de enquadramentos que reforçam o tom emocional das cenas. Essa escolha pode até parecer limitada do ponto de vista técnico, mas acaba servindo ao objetivo central da produção: fazer com que o público sinta o peso das decisões de Janiyah e a urgência de uma situação que, embora ficcional, ecoa realidades vividas por muitas mulheres no mundo todo.

*Fernando Martins é jornalista e grande entusiasta de produções televisivas. Criador do Uma Série de Coisas, escreve semanalmente neste espaço. Instagram: @umaseriedecoisas.

*A Folha de Pernambuco não se responsabiliza pelo conteúdo das colunas.

Veja também