“Despercebida” dá voz ao suspense sul-africano e conquista espaço na Netflix
Com atuação marcante de Gail Mabalane, série se firma no streaming com segunda temporada
“Despercebida”, série sul-africana com duas temporadas disponíveis na Netflix, consegue escapar do rótulo de “mais uma trama de desaparecimento” graças a dois elementos centrais, a força da personagem protagonista, Zenzi Mwale, e o pano de fundo cultural que a narrativa traz para o espectador.
Ao transformar uma faxineira em peça-chave de um tabuleiro de conspirações, a série desloca o olhar para personagens quase sempre invisíveis e dá profundidade a uma história que poderia se perder em fórmulas gastas.
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Zenzi (interpretada com firmeza por Gail Mabalane) não é apenas a esposa que procura o marido desaparecido. Ela é uma mulher empurrada para um universo de violência, manipulações e dilemas éticos que a obrigam a confrontar tanto inimigos externos quanto fantasmas do passado.
O roteiro é rápido e sabe explorar essa ambiguidade. Zenzi é, ao mesmo tempo, vítima e agente do caos que se instala em sua vida. O público percebe rapidamente que a suposta ingenuidade da personagem é apenas fachada para uma figura capaz de atos extremos quando encurralada.
Se por vezes a trama recorre a reviravoltas previsíveis ou personagens estereotipados (um vício do gênero), a condução segura mantém a tensão viva até o último episódio. O ritmo favorece a maratona, com ganchos que funcionam sem precisar de truques artificiais.
A série também dialoga com questões específicas da África do Sul, como a violência urbana, a desigualdade social e os jogos de poder que atravessam a sociedade. Essa camada local serve como cenário, mas também como motor narrativo, o que diferencia “Despercebida” de tantos thrillers intercambiáveis que a Netflix costuma lançar.
Outro trunfo está no elenco. Gail Mabalane entrega uma performance intensa, carregando a série nas costas sem jamais perder a naturalidade. Conhecida de parte do público por “Sangue & Água” (também da Netflix), a atriz mostra aqui uma maturidade maior, conduzindo Zenzi entre fragilidade e brutalidade com uma naturalidade desconcertante. O time de coadjuvantes cumpre seu papel, mas é ela quem dá corpo e credibilidade a cada virada.
No fim, “Despercebida” oferece uma combinação difícil de ignorar: trama envolvente, uma protagonista forte e o frescor de um olhar sul-africano pouco representado no circuito global. Não é pouca coisa.
*Fernando Martins é jornalista e grande entusiasta de produções televisivas. Criador do Uma Série de Coisas, escreve semanalmente neste espaço. Instagram: @umaseriedecoisas.
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