“Dexter: Ressurrection” assume riscos e renova a mitologia com estilo e ousadia
Série mistura nostalgia, invenção e metalinguagem sobre a própria cultura de serial killers na TV
Spoilers à frente.
Contra todas as expectativas, “Dexter: Ressurrection” não só justifica sua existência como entrega uma reinterpretação interessante do universo do serial killer mais carismático da TV. Ao invés de tentar repetir fórmulas desgastadas ou seguir rumos previsíveis, Clyde Phillips opta por algo mais ambicioso: fazer do retorno de Dexter Morgan (Michael C. Hall) um comentário sobre o próprio culto à figura do assassino em série na cultura pop, e acerta em cheio.
A série começa de forma corajosa ao desarmar o final definitivo e insuficiente de “New Blood”, quando Dexter foi morto por seu filho, Harrison (Jack Alcott). Para alguns, poderia parecer um retrocesso. Mas “Ressurrection” transforma isso em ponto de partida para um novo arco.
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Dexter sobrevive de maneira plausível dentro da lógica da série, com elementos médicos o suficiente para não trair o pacto de suspensão de descrença que ela sempre exigiu de seu público. A frieza do ambiente, a resposta rápida dos socorristas e uma decisão inesperada de Angela (Julia Jones) criam a ponte perfeita para que ele ressurja, literalmente, no hospital.
Phillips entende que reviver Dexter exige mais do que apenas colocá-lo novamente em cena. É preciso justificar sua permanência com ideias novas, o que a série faz com entusiasmo. O roteiro não foge da complexidade emocional que envolve o personagem, tampouco abandona a estrutura clássica da série.
E ainda assim, “Ressurrection” avança. A sequência onírica com os fantasmas de Miguel Prado (Jimmy Smits), Doakes (Erik King) e o Assassino da Trindade (John Lithgow) é mais do que um exercício de nostalgia, é uma reconfiguração da culpa, do código e da identidade de Dexter.
Novos arcos
Os dois primeiros episódios estabelecem uma nova lógica narrativa, menos policial e mais existencial. Dexter está recomeçando, de novo, mas dessa vez com o peso de todas as vidas que tirou e a do próprio filho, agora distante. Harrison, por sua vez, cresce em uma linha própria, ganhando mais substância como personagem.
Sua trajetória como um jovem que carrega o fardo genético e moral do pai é desenvolvida com sensibilidade. O fato de ele também matar, e depois lidar com isso, não é uma repetição, mas uma continuação coerente de um conflito trágico que agora toma outra forma.
Grande elenco
A grande novidade, e talvez o movimento mais arriscado da série, está no núcleo envolvendo Leon Prater, interpretado com humor mórbido por Peter Dinklage (Game Of Thrones) e o grande elenco que o acompanha. A ideia de um bilionário que coleciona serial killers soa absurda, e é, mas dentro do universo de “Dexter”, onde o surreal sempre teve espaço ao lado do racional, a proposta funciona como metáfora: o colecionismo de troféus, o culto à imagem do assassino, a transformação de Dexter em ícone, tudo isso se encontra na própria cultura pop que consome séries como essa.
O jantar entre serial killers, que poderia ser um desastre, acaba sendo uma cena surpreendentemente bem construída. A entrada de personagens como Mia Lapierre (Kristen Ritter) e Lowell (Neil Patrick Harris) é inteligente e divertida, servindo tanto como paródia quanto expansão legítima do universo da série.
Ao invés de esvaziar o protagonismo de Dexter, essas figuras ampliam o alcance da história, elevando o conflito para um novo patamar, o de uma rede informal de assassinos com regras próprias.
Dexter absoluto
Michael C. Hall continua absoluto no papel. É impressionante como ele mantém o magnetismo e a complexidade de Dexter intactos mesmo com tantas camadas adicionadas ao personagem. Seu desempenho nos diálogos com Harry Morgan (James Remar) e Charley (Uma Thurman), até mesmo nas cenas silenciosas, carrega uma profundidade familiar para quem acompanhou a série original.
A direção de arte e a trilha sonora também merecem destaque. Há um cuidado estético que faz “Ressurrection” parecer tanto uma continuação fiel quanto uma produção renovada. O uso da cidade de Nova York como novo cenário cria contrastes interessantes com a fase gelada e isolada de “New Blood”, além de expandir as possibilidades de enredo para os próximos episódios.
Personagens novos e antigos
A rapidez com que os eventos se desenrolam demonstra confiança no material e no público. O ritmo é ágil, mas nunca apressado. Há tempo para humor ácido, cenas de tensão bem dosadas, retorno de personagens queridos e amados, como Angel Batista (David Zayas), Joey Quinn (Desmond Harrington) e Vince Masuka (C.S. Lee), além da consolidação da detetive Claudette Wallace (Kadia Saraf), que se destaca com sua presença incisiva e método perspicaz de investigação.
Se “New Blood” deu um fim que pouco agradou ao público de “Dexter”, “Ressurreição” prova que ainda havia mais história a ser contada, e que essa história, surpreendentemente, é boa. A série equilibra memória e invenção, homenageia o que veio antes sem se prender a ele, e abre espaço para que novos conflitos se desenvolvam com fôlego próprio.
“Dexter” está de volta, e a série não só sobrevive ao seu retorno, como o transforma em sua maior virtude.
*Fernando Martins é jornalista e grande entusiasta de produções televisivas. Criador do Uma Série de Coisas, escreve semanalmente neste espaço. Instagram: @umaseriedecoisas.
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