“Indomável” não reinventa o gênero, mas acerta no ritmo
Mesmo com clichês, série prende pela ambientação e por um protagonista bem escalado
Ao contrário de tantas produções que se escondem atrás de paisagens bonitas para mascarar roteiros vazios, “Indomável”, curiosamente, usa a fotografia como seu maior diferencial. A série, produzida pela Netflix e já renovada para a segunda temporada, tem um argumento gasto: um crime violento em meio a uma comunidade isolada desencadeia uma investigação policial recheada de traumas mal resolvidos, pistas falsas e tipos já muito vistos na televisão.
Ainda assim, tem algo ali que escapa do previsível e prende o espectador.
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A floresta, os paredões de pedra, os sons e os silêncios moldam a atmosfera da série. Os personagens transitam nesse ambiente como se estivessem pisando num código moral, e o espectador vai junto.
É nesse território que atua Kyle Turner, vivido por Eric Bana (Querido John). O agente da Divisão de Serviços de Investigação é um tipo que já conhecemos, taciturno, antissocial, montado a cavalo e preso a um passado traumático. Mas Bana consegue segurar a caricatura. Ele dá ao personagem um ar de desgaste crível, mas sem perder autoridade.
O roteiro tropeça, sim. A obsessão em traçar paralelos entre os perigos da selva e os conflitos humanos beira o didatismo. E as subtramas nem sempre se sustentam com a mesma solidez. Ainda assim, “Indomável” tem ritmo. Começa morna, mas acelera à medida que os episódios avançam.
Tem reviravoltas bem encaixadas e diálogos que funcionam melhor na tensão do que na introspecção. O mistério que move a narrativa (o corpo de uma mulher despencando do alto do El Capitan, logo na primeira cena) garante impacto inicial e mantém a curiosidade acesa até o fim.
No fim, “Indomável” se inscreve na longa linhagem dos dramas policiais com um pé no faroeste e outro no thriller psicológico. O diferencial está na forma como trata seu cenário. Um tipo de série que talvez não prometa nada novo, mas faz tudo com competência, atmosfera e uma trilha de migalhas narrativas que, mesmo irregulares, guiam o espectador sem soltar a mão.
Se o que se busca é uma história bem contada, com personagens suficientemente interessantes e uma ambientação que vale por si só, “Indomável” está longe de ser um erro de percurso.
*Fernando Martins é jornalista e grande entusiasta de produções televisivas. Criador do Uma Série de Coisas, escreve semanalmente neste espaço. Instagram: @umaseriedecoisas.
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