Adeus a Orlando Tejo, o poeta de olhar astuto
O escritor e jornalista paraibano Orlando Tejo foi sepultado nesta segunda (02), em João Pessoa. Ele faleceu no último domingo, aos 83 anos
"Quando se fala em Orlando Tejo, o óbvio é pensar em 'Zé Limeira, poeta do absurdo', que aproximou do Brasil oficial esse personagem do Brasil real. Mas ele era maior do que isso". A fala emocionada do poeta Astier Basílio se baseia no afeto e num conhecimento mais profundo - já que Astier, nos últimos anos, vem produzindo uma biografia de Tejo.
Nascido em Campina Grande, na Paraíba, em 1935, o poeta e jornalista faleceu na madrugada do último domingo (1º), no Recife, e foi sepultado ontem em João Pessoa. "Ele queria ser enterrado na Paraíba, apesar de estar longe há muitos anos", contou a filha do escritor, a também jornalista Cristiana Tejo.
Além de Cristiana, Orlando Tejo deixa dois filhos, Orlando e Alexandre, e um neto, Bento. Ele tinha 83 anos e, de acordo com a família, morreu por conta de uma pneumonia que agravou uma insuficiência pulmonar crônica.
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"Nos despedimos não só do autor do genial livro que desarrumou fronteiras entre a ficção e a fábula. Tejo foi uma das almas mais generosas que por aqui veio, um poeta que guardou dentro do bigode em forma de sorriso uma criança brincalhona e feliz", disse Astier.
Segundo ele, Orlando Tejo teve uma produção poética e jornalística ampla e dispersa, dialogava com pessoas de extratos distintos e possuía uma memória prodigiosa, que foi desmoronando por conta da doença de Alzheimer, que o acometeu há cerca de 15 anos.
O compositor e poeta Jessier Quirino esteve com a família Tejo durante o velório de Orlando, e falou por telefone à Folha de Pernambuco. "Ele era um poeta, escritor e cronista responsável pela formação intelectual acerca do Nordeste de muitos brasileiros. Sempre transitou no território da boemia, inclusive sendo abstêmio, da política, da crônica social. Tinha um olhar astuto e particularíssimo", afirmou Jessier.
Zé Limeira, obra prima
Autor de várias obras, Orlando Tejo ficou conhecido pelo livro "Zé Limeira, o Poeta do Absurdo", de 1973, que ao longo das décadas inspirou gente das mais variadas origens e matizes políticos - do ex-presidente José Sarney, que chegou a fazer uma edição do livro na gráfica do Senado, aos músicos Zé Ramalho, Oswaldo Montenegro e Siba Veloso, da banda Mestre Ambrósio.
Este último ajudou a destacar a figura de Zé Limeira entre a geração que viveu o Movimento Mangue, nos anos 1990. "Eu me inspirei no livro, que foi muito importante na geração de meu pai e depois, na minha própria, para escrever 'Se Zé Limeira sambasse maracatu'", lembrou Siba. "Eu tinha uma admiração enorme por Orlando e fiquei muito triste com a notícia de sua partida. Mais lamentável ainda é o mau costume dos brasileiros de não cultivarem nossa própria história", acrescentou.
Zé Limeira era um cantador de viola negro com um estilo surrealista e desbocado, que a partir do livro de Tejo alcançou um patamar quase mítico. Ele conheceu o repentista quando ainda era garoto, aos 15 anos. Encantado, conseguiu levar o gravador da rádio campinense Caturité, onde trabalhava, e registrar a cantoria entre 1950 e 1954.
Os áudios se perderam, mas Tejo teve tempo de transcrever as letras que estão no livro. "Ele pegou um personagem e transformou em motivo para um romance, sem preocupação de ensinar tecnicamente o que é a cantoria. A cada capítulo, ele diluiu as fronteiras entre a ficção e a realidade", descreve Astier.
"Ser filha de artista é aprender a lidar com sua obra e o lugar que ela ocupa. Agora que meu pai encerrou seu ciclo na Terra, fica clara a imortalidade dele. As palavras, livros e músicas sobrevivem. Fico extremamente comovida ao ver o alcance da vida dele, o quanto sua obra segue presente no pensamento das pessoas. Agora a vida dele segue em outra temporalidade, e se torna infinita", finalizou Cristiana.

