Um dos maiores pianistas do mundo não vai mais se apresentar nos EUA por causa de Donald Trump
András Schiff, que já boicota a Rússia e a Hungria, cancelou compromissos com a Filarmônica de Nova York, a Orquestra da Filadélfia e uma turnê que inclui recital no Carnegie Hall
András Schiff, um dos grandes pianistas da atualidade que boicotou regimes autoritários na Rússia e em sua terra natal, a Hungria, disse que não se apresentará mais nos Estados Unidos devido a preocupações com o “bullying inacreditável” do presidente Donald Trump no palco mundial.
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Schiff, de 71 anos, uma figura imponente na música clássica, disse estar alarmado com as críticas de Trump à Ucrânia, suas ameaças expansionistas sobre o Canadá, a Groenlândia e a Faixa de Gaza, e seu apoio a políticos de extrema-direita na Alemanha.
O pianista, que nasceu em uma família judia em Budapeste, Hungria, que testemunhou os horrores do Holocausto, afirmou que os apelos de Trump pela deportação em massa lhe lembraram dolorosamente os esforços para expulsar os judeus durante a Segunda Guerra Mundial.
“Ele trouxe uma feiúra para este mundo que não estava lá”, disse Schiff em uma entrevista por telefone nesta semana de Hong Kong, onde está se apresentando. “Eu simplesmente acho impossível apoiar o que está acontecendo.”
Assim, Schiff decidiu parar de se apresentar nos Estados Unidos.
Ele disse que cancelaria suas apresentações na próxima primavera com a Filarmônica de Nova York e a Orquestra da Filadélfia, e uma turnê de recitais neste outono com uma parada no Carnegie Hall.
Schiff, reverenciado por suas interpretações das obras de Johann Sebastian Bach e Wolfgang Amadeus Mozart, é o mais recente artista a boicotar os Estados Unidos devido a Trump.
Mês passado, o violinista alemão Christian Tetzlaff anunciou que não se apresentaria mais no país, citando o apoio de Trump à Rússia, entre outras preocupações.
O pequeno, mas crescente boicote cultural, é uma reviravolta chocante.
No passado, eram os artistas americanos que frequentemente cancelavam compromissos no exterior para protestar contra guerras, autocracia e injustiça. Agora, os Estados Unidos são vistos por alguns como um pária.
A Casa Branca parece indiferente aos boicotes de artistas estrangeiros, dizendo que a prioridade de Trump são os Estados Unidos.
Stephen Duncombe, professor de mídia e cultura na Universidade de Nova York, disse que não era surpreendente que os artistas estivessem evitando os Estados Unidos porque, segundo ele, o país está “se afastando da democracia”.
Ele observou que esses artistas seguem uma longa tradição. Pablo Picasso, por exemplo, se recusou a exibir seu “Guernica” na Espanha até que o país adotasse o regime democrático.
Schiff tem sido um crítico vocal dos movimentos de extrema-direita na Europa.
Ele denunciou a erosão da democracia em sua terra natal, a Hungria, sob o líder populista de extrema-direita Viktor Orban, um aliado de Trump. (Schiff disse que não podia acreditar que Trump expressasse admiração por Orban: “Viktor Orban é a última pessoa que eu pensaria como modelo”, afirmou.)
Schiff não retorna à Hungria desde 2010. Ele disse à BBC em 2013 que enfrentava ameaças de ter suas mãos cortadas caso voltasse.
No início dos anos 2000, Schiff, que viveu por anos na Áustria, falou veementemente contra a retórica anti-imigrante e antissemita adotada por alguns políticos conservadores de lá.
E após a invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022, Schiff se recusou a se apresentar no país, juntando-se a muitos artistas ocidentais em um embargo cultural.
Schiff é considerado um dos maiores pianistas do mundo e fez várias gravações clássicas. Ele possui cidadania alemã e britânica e foi condecorado cavaleiro pela Rainha Elizabeth II em 2014.
Ele tem sido uma presença constante nos Estados Unidos desde o final dos anos 1970, conquistando uma base de admiradores. Ele disse que sempre teve os Estados Unidos como um “farol de liberdade, liberdade e democracia”.
Não foi apenas a ascensão de Trump que perturbou Schiff nos últimos anos: ele também ficou alarmado com algumas ações tomadas pela extrema-esquerda nos Estados Unidos, incluindo esforços para limitar a liberdade de expressão nas universidades.
Schiff disse que aguardou algumas semanas para ver como se desenrolaria o segundo mandato de Trump antes de tomar uma decisão sobre seus compromissos nos Estados Unidos.
Schiff disse que concordava que a guerra na Ucrânia deveria ser encerrada, mas ficou surpreso com os “métodos e maneiras” do presidente, que ele considerou “verdadeiramente inaceitáveis”.
Ele se disse particularmente perturbado, afirmou, pelos ataques de Trump ao presidente Volodymyr Zelensky da Ucrânia durante uma reunião explosiva no Salão Oval, em fevereiro.
Igualmente preocupantes, disse Schiff, eram as políticas de imigração de Trump.
“Quando ouço essa palavra deportação, ela soa um sino — soa um terrível sino”, disse. “Minha família, minha família judia, foi deportada — alguns para Auschwitz, e outros para outros campos de concentração.”
Por fim, Schiff disse que não podia mais se apresentar em um país cujas políticas ele discordava tão visceralmente. “A eleição geral mostra que uma parte substancial das pessoas apoia esses pontos de vista e ações”, afirmou.
Schiff disse que não esperava que seu boicote tivesse muito impacto, mas que era importante se manifestar.
“Talvez seja uma gota no oceano; não estou esperando que muitos músicos sigam”, disse. “Mas não importa. É para a minha própria consciência. Na história, uma pessoa tem que reagir ou não reagir.”

