'Baseado em Fatos Reais' decepciona pelos clichês
Novo filme do diretor Roman Polanski, 'Baseado em Fatos Reais é um thriler psicológico que naufraga ao brincar com obsessão entre duas mulheres. Nem o talento do elenco salva o longa-metragem
“Queerbaiting” é o ato de vender um produto cultural de forma a lucrar ao promover certa tensão sexual entre dois personagens do mesmo gênero, encorajando um enredo romântico entre eles, mas sem, em nenhum momento, ter a real intenção de fazê-lo acontecer. É necessário começar a falar sobre o thriller “Baseado em Fatos Reais” explicando esse termo justamente pelo filme se vender como um romance lésbico — deturpado, misterioso, abusivo, sim, mas ainda um romance lésbico — e não o ser, tratando-se apenas de uma jogada midiática para atrair certos públicos.
Dito isso, avante à sua história: Delphine (Emmanuele Seigner), a protagonista do longa-metragem, é uma escritora de sucesso que lançou um livro recontando a história de sua mãe. Conturbada, Delphine se vê cansada de seus admiradores, dos holofotes e da sua própria obra, que lhe traz aflição e culpa por possuir uma forte carga emocional. Quer seguir em frente, mas apresenta um bloqueio criativo que não consegue superar.
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É aí que conhece Elle (Eva Green), misteriosa personagem (tal qual seu nome, que em tradução do francês significa apenas "ela") que se diz sua leitora e fã. Ambas começam uma estranha amizade que, no começo do filme, tem ares de sedução (uma curiosidade pitoresca com a atração pelo mesmo sexo, que jamais chega a se concretizar).
Construção do relacionamento
Ao percorrer o relacionamento entre Elle e Delphine, "Baseado em Fatos Reais" perpassa clichês inerentes de um thriller psicológico que brinca com a obsessão. Não o faz bem, inclusive, visto que a relação entre as personagens não cresce de forma gradual, sendo difícil acreditar que alguém se abriria tão completamente com uma desconhecida como Delphine faz com Elle.
Aliás, é também duvidoso que Elle possa ser tão enigmática e estranha sem a escritora perceber o que de fato acontece (em determinado momento, por exemplo, depois de várias atitudes suspeitas, Elle sugere se passar por Delphine em uma palestra, a qual aceita de bom grado). Mesmo quando começa a confrontar o real com as narrativas contadas por Elle, Delphine parece alheia a tudo, confiando cada vez mais na moça e perdida na tentativa de escrever um novo livro. É, no mínimo, absurdo.
O único ponto em que o filme parece não pecar é em seu elenco: Seigner e Green se entregam a suas atuações, apresentando toda a intensidade e loucura daquelas personagens. No geral, contudo, o longa não convence. A direção do polonês Roman Polanski até tenta criar um clima de desequilíbrio psicológico com cortes abruptos e planos fechados rodopiantes, mas a condução da história não flui. Parece forçada, com um roteiro preguiçosamente escrito que não se esforça para sair do óbvio. Não surpreende — pelo contrário, decepciona.
Cotação: Ruim

