Blockbuster: impacto e entretenimento no mercado do cinema
O cinema comercial tem no blockbuster (arrasa-quarteirão) sua marca mais forte. Ao longo das décadas, este tipo de filme sofreu alterações até a forma como se encontra hoje. 'Vingadores: guerra infinita' é o mais novo exemplar, que estreia na próxima quin
O cinema enquanto evento, uma atração que movimenta milhões e envolve uma quantidade monumental de espectadores, está em filmes como "Jogador nº 1", ainda em cartaz, "Pantera negra", que foi um sucesso mundial, arrecadando aproximadamente US$ 200 milhões no primeiro fim de semana nos Estados Unidos e mais de um bilhão de dólares ao redor do planeta (até 16 de abril), e "Vingadores: guerra infinita", que estreia na próxima quinta-feira (26).
São exemplos de obras que causam grande impacto no mercado cultural, filmes reconhecidos como "blockbuster" (ou arrasa-quarteirão, em português): termo que se popularizou nos anos 1970, especialmente a partir de "Tubarão" (1975), "Star wars" (1977) e "Embalos de sábado à noite" (1977).
"Quando esses filmes apareceram, chamaram a atenção da indústria para o potencial de bilheteria no público adolescente ou muito jovem", explica Rodrigo Carreiro, professor de Cinema da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
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"Até o começo da década de 1970, o público médio das produções que os estúdios colocavam mais fé era mais adulto, de 25 anos para cima, pois eles acreditavam que tinham poder econômico. Depois desses filmes, os estúdios descobriram que jovens e adolescentes, de 14 até 25 anos, era um público até então menosprezado. Quando a indústria descobre que o adolescente podia consumir e gastar dinheiro no cinema, vai imediatamente redirecionar os esforços para capturar esse público", ressalta.
Origem
A palavra 'blockbuster' nasceu associada a questões além do cinema. "O termo surgiu na década de 1940, para nomear um tipo de bomba utilizada pelos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial. Ela era lançada de avião e conseguia destruir quarteirões inteiros", explica Rodrigo. "Nos anos 1950, a crítica cinematográfica começou a utilizar o termo para se referir a filmes que arrebentavam na bilheteria. Mas ele ainda não era um conceito associado ao cinema", conta.
"Enquanto conceito propriamente dito, nasceu em 1975, com o lançamento de 'Tubarão', de Steven Spielberg. É o primeiro filme-evento, que é lançado nas férias de verão dos EUA, no feriado de Ação de Graças, no período das férias escolares. É um filme em geral com grandes astros, orçamentos milionários, uma narrativa mais simplificada, mais maniqueísta, que permita atingir um número maior de pessoas, numa faixa etária mais larga possível, e que consiga atravessar várias culturas", conceitua.
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A importância do som no cinema
A base do blockbuster pode ser observada nos anos 1930, em Hollywood, quando as grandes estrelas levavam multidões aos cinemas. "No ápice do Star System, na década de 1930, já existiam os elementos que formam o blockbuster: um filme projetado para atingir uma grande quantidade de pessoas, que tenha os astros do momento, que trate do tema do momento e que possa ter uma campanha de divulgação grande", coloca Filipe Falcão, jornalista, professor universitário e doutorando de Cinema da UFPE.
"'O mágico de Oz', '... E o vento levou' e 'No tempo das diligências', todos de 1939, foram filmes que para a época tinham grandes orçamentos. '... E o vento levou' era baseado no romance mais lido daquela década. Quando saiu a notícia da adaptação, as pessoas ficaram tão pilhadas em ver no cinema que teve toda uma história para saber que pegaria o papel da Scarlett O'Hara. As pessoas ligavam para as rádios dizendo quem elas queriam no papel. Esse cinema massificado, feito para ter grande alcance, é anterior a 'Star wars' e 'Tubarão'", diz Filipe.
Blockbuster hoje
O blockbuster segue dominando a programação de cinema, ocupando um espaço significativo no circuito exibidor. "Vingadores: guerra infinita" deve chegar a uma grande quantidade de salas de cinema; "Han Solo: uma história Star Wars" (maio), "Jurassic World: reino ameaçado" (junho) e "Missão: Impossível 6" (julho) também são aguardados. "O blockbuster é mais do que a celebração da cultura pop: é sinônimo de retorno financeiro para estúdios e distribuidoras", assegura o diretor e roteirista pernambucano André Pinto.
"Muitos defendem o arrasa-quarteirão justificando de que se não houvesse espetáculo, o circuito exibidor comercial não se sustentaria. Mas, dentro dessa lógica, esse mesmo mercado obviamente reserva o maior número possível de salas para exibição de blockbusters. E assim como a mão destruidora de Thanos do filme 'Vingadores', que dominará o circuitão nos próximos dias, os multiplex irão 'esmagar' os filmes pequenos, que serão remanejados a um número bem menor de salas e ocuparão horários inconvenientes", opina André.
O blockbuster, que segue por um processo de renovação que tem nos efeitos digitais, no filme de herói e no gênero ação suas características mais recorrentes, é frequentemente privilegiado no circuito exibidor, com uma quantidade de salas e número de sessões que acabam diminuindo o impacto de filmes com perfil autoral e independente. "O que a gente vive atualmente é o paroxismo, é a noção original de blockbuster elevada à enésima potência", afirma Rodrigo.
"Ao longo da década de 1980 e 1990, a gente vai ver um reforço cada vez maior da ideia do blockbuster como uma repetição de fórmula. O blockbuster vai trabalhar cada vez mais com protagonistas mais jovens, com estética semelhante. O blockbuster médio contemporâneo não procura investir na originalidade, que é mais arriscada. Pelo contrário, aposta em personagens e situações dramáticas previamente conhecidas e testadas. Os estúdios vão gastar uma quantidade estratosférica de dinheiro, então precisam ter garantia de retorno", argumenta.
O conceito de Hiper-cinema, defendido pelos pesquisadores Gilles Lipovetsky e Jean Serroy, oferece ferramentas para entender as transformações do cinema comercial contemporâneo. "Eles dizem que o cinema sempre esteve em processo de evolução: do mudo para o sonoro, do preto e branco para o colorido. Os efeitos especiais, a reformulação da sala de cinema, para receber esses filmes. O Hiper-cinema é a mudança geral, em tudo: no processo de produção, distribuição, consumo e estética", explica Filipe, citando o livro "A tela global".
Internet e redes sociais
O cinema comercial hoje está também fortemente associado às redes sociais, recorrendo à Internet como uma ferramenta fundamental de divulgação. "Tem aquela parcela do público que diz 'vou esperar o filme' e não quer pegar informações, mas o cinema, não apenas o blockbuster, percebeu nas redes sociais e na Internet uma grande forma de manter as pessoas extremamente curiosas em relação ao produto", aponta Filipe.
"Antes da estreia, as páginas dos filmes no Facebook postam imagens de bastidores. Isso não é gratuito. Hoje em dia tem muita desvantagem para as pessoas irem ao cinema: trânsito, estacionamento, ingresso. Então é necessário que se crie a necessidade de consumir o filme no cinema", explica Filipe.
"Hoje é muito fácil assistir a um filme no computador. As campanhas de marketing são expressivas para deixar claro que a forma mais completa de ver o filme é no cinema. 'Mad Max: estrada da fúria', por exemplo. Quem baixou e viu na tela pequena entendeu, mas a experiência fílmica vai ser completa apenas numa sala 3D, com poltrona que treme, com os carros pulando em cima de você", detalha.
É através de determinadas estratégias de divulgação que os estúdios criam uma necessidade mais intensa de consumo. "Os grandes lançamentos hoje contam com uma agressiva estratégia de venda por parte dos grandes estúdios. Todo o marketing de divulgação de um filme desses representa pelo menos 20% do orçamento. A propaganda é a alma do negócio", reforça André.
Preconceito e rótulos
O termo blockbuster é visto com certa medida de desconfiança e preconceito em determinados setores da cinefilia e da pesquisa acadêmica. "Essa ideia está ligada a uma noção da arte derivada do Romantismo europeu do século 19, que lançou as bases de um processo valorativo de obras de arte que estava fincado em uma noção de 'arte desinteressada', uma obra de arte seria tão melhor quanto mais desapegada do lucro fosse o contexto de produção dela", situa Rodrigo.
"Mesmo trabalhando em um circuito dominado pela ideia do lucro, muitos artistas [de Hollywood] estão interessados em obras que na medida do possível sejam duradouras e tenham o potencial de iluminar aspectos da condição humana. Então o fato de ter o lucro como preocupação principal não elimina a possibilidade que algumas delas consigam superar essa preocupação inicial e atingir méritos estéticos e culturais. Por isso temos blockbusters que vão transcender essa preocupação comercial e atingir uma condição artística de respeito", compara.
É o que ocorreu com "Star wars" e "Tubarão": inicialmente classificados como "blockbusters", tornaram-se, com a ação do tempo e através da análise de diferentes gerações, filmes "clássicos". "Filmes devem ser vistos como entidades dinâmicas: mudam com o tempo. Porque o filme só se completa quando se completa o circuito entre processo criativo de produção e consumo, na recepção junto ao público. Quando muda o público e o contexto cultural no qual um filme é assistido, de certa forma muda o filme", opina Rodrigo.
"O tempo e o contexto cultural do filme muitas vezes provocam uma reavaliação dessas obras. Isso ocorre com os blockbusters, na medida em que muitos filmes que aparentemente, numa primeira olhada, parecem diversões escapistas, mas que, observado dentro de outro contexto cultural, ganham sentidos inicialmente não previstos. Esse processo de reavaliação de obras de arte não existe só no cinema: é contínuo, dinâmico, acontece o tempo inteiro, em todas as artes, da literatura à dança, e com blockbuster não é diferente", pontua.
Primeiros blockbusters
"Tubarão" (1975)
"Star wars" (1977)
"Embalos de sábado à noite" (1977)
Vem aí
"Vingadores: guerra infinita" (26 de abril)
"Han Solo: uma história Star Wars" (maio)
"Jurassic World: reino ameaçado" (junho)
"Os Incríveis 2" (junho)
"Missão: Impossível 6" (julho)
"Homem-Formiga e a Vespa" (julho)
"Venom" (outubro)
"Animais Fantásticos: os crimes de Grindelwald" (novembro)
"Aquaman" (dezembro)
"Alita: anjo de combate" (dezembro)

