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Conheça Geovani Martins, o mais recente fenômeno editorial brasileiro

Escritor Geovani Martins, autor de 'O Sol na Cabeça', falou à Folha de Pernambuco sobre sua emoção de ser reconhecido por pessoas de todas as classes sociais

Escritor é morador do morro do Vidigal e já vendeu quase toda a primeira edição de sua obra de estreiaEscritor é morador do morro do Vidigal e já vendeu quase toda a primeira edição de sua obra de estreia - Foto: Zô Guimarães/Folhapress

Foram pelo menos três dias tentando falar com Geovani Martins, o mais recente fenômeno editorial brasileiro. Quando enfim conseguimos, ele já tinha uma entrevista agendada para aquela hora. Marcamos para as 15h da última sexta-feira (13), aos 45 minutos do último tempo, já com medo da pauta furar. Deu certo.

Simpático, embora perceptivelmente tímido, Geovani permitiu que a conversa fluísse quase tanto como os textos dos contos que impressionaram Chico Buarque, Caetano Veloso e Lázaro Ramos, que vêm tecendo elogios ao autor nas redes sociais.

O carioca conseguiu a proeza de ver seu livro de estreia, "O Sol na Cabeça", ter os direitos vendidos para editoras dos Estados Unidos, Reino Unido, França, Alemanha, Itália, Espanha, Portugal, Holanda e China antes mesmo do lançamento no Brasil. A obra deve ser transformada em filme por Karim Aïnouz, diretor de "Madame Satã" e "Praia do Futuro".

A primeira edição, de dez mil exemplares, está quase esgotada. Toda essa repercussão o tem levado a dar dezenas de entrevistas a jornais, revistas e emissoras de televisão do norte ao sul do País. E isso, confessa, é um pouco assustador.

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Geovani está feliz, claro. Aos 26 anos, está finalmente realizando o sonho de viver de seus escritos, contrariando as probabilidades que dizem respeito aos brasileiros que, como ele, nascem pobres e na periferia.

Filho de uma empregada doméstica e de um jogador de futebol amador, morador de Bangu e do morro do Vidigal, ele conheceu uma rotina dura desde cedo, mas contou com o apoio da família para correr atrás dos seus sonhos: em 2015, voltou para a casa da mãe e pediu que ela o sustentasse durante o período em que escrevia, pois ia lançar um livro de sucesso.

"Foram dois anos praticamente sem sair de casa, escrevendo várias horas por dia e vendo praticamente apenas as pessoas de casa ou da vizinhança. E agora minha vida virou esse turbilhão. A mudança de realidade foi brusca. Tenho compromissos pela manhã, à tarde, à noite. O lance de aparecer na TV é esquisito, as pessoas me reconhecem na rua. Como sou tímido, é um pouco angustiante. Mas estou curtindo, porque isso é fruto de muito trabalho", relata.

   Vozes da favela

Os treze contos de Geovani Martins falam de uma realidade dura e que facilmente poderia resvalar para o terreno do clichê. A favela, certamente, é seu "lugar de fala", sobre o qual pode discorrer com propriedade. Ele consegue, por exemplo, ser poético em "O Caso da Borboleta", que narra o encontro entre um menino e uma borboleta que cai por descuido numa panela de óleo, enquanto a avó ronca diante da TV, e repleto de tensão psicológica em "A Espiral", que narra o ponto de vista de um negro diante de um branco amedrontado ao cruzar por ele na rua.

O escritor explora a periferia sob vários pontos de vista - mas, para além de uma temática que já foi fartamente explorada em dezenas de músicas, poemas e livros, Geovani utiliza o pleno domínio sobre técnica e sentimento para emprestar lirismo e ironia ao que escreve. Ele nega que a obra seja mais autobiográfica do que o normal para qualquer autor. "O que acontece é que eu circulo por lugares diferentes da maioria dos outros autores", aponta.

   Trajetória

E para quem acha que o sucesso do livro está atrelado apenas ao seu perfil e trajetória de vida, Geovani responde, na lata: "eu sou mais um escritor da favela. Não vejo o motivo de minha origem chocar as pessoas. Não fui o primeiro nem serei o último, sou só mais um entre muitos. Creio que a imprensa, que precisa puxar pelo sensacionalismo, está explorando essa questão agora, mas vou lançar outros livros e tenho certeza de que, daqui a algum tempo, essa história já vai ter sido contada e vamos poder falar de outras coisas".

Da mesma forma serena, ele acolhe e incorpora o sucesso. "Foi muito emocionante receber retorno positivo de Chico, de Caetano, de tanta gente boa. Eu mesmo escuto os dois há muito tempo, só de saber que estavam lendo meu livro já foi uma felicidade enorme. Mas, quer saber? O que explode o meu coração é ver um mototaxista parar junto de mim na subida de casa e dizer que leu 'O Sol na cabeça', que gostou, que é muito bom. Já apareci em vários jornais e programas de TV, mas há poucos dias fui citado na página que a Favela Nova Holanda [uma das integrantes do Complexo da Maré, no Rio] tem no Facebook. Foi uma consagração".

Serviço:
"O Sol na cabeça", de Geovani Martins
Companhia das Letras (119 págs)
Preço médio: R$ 36,90 

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