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Crítica: 'Hereditário' é horror criativo e complexo

Filme de estreia do diretor Ari Aster, 'Hereditário' é na superfície um filme de assombração, mas, aos poucos, revela temas ambiciosos e fascinantes

Imagem do filme 'Hereditário', de Ari AsterImagem do filme 'Hereditário', de Ari Aster - Foto: Divulgação

O gênero terror tem em sua essência um potencial especial: através dos sustos, da tensão criada pela história, da maneira como mexe com medos, é possível também chegar a temas mais complexos e ambiciosos das relações humanas.

É o que ocorre com "Hereditário", primeiro longa-metragem do diretor Ari Aster, que estreia nesta quinta-feira (21) no circuito nacional. Na superfície parece ser um filme de assombração, mas aos poucos as situações assustadoras sugerem temas mais delicados e ambíguos.

A história começa com o velório da matriarca de uma família, a mãe de Annie (Toni Collette). Ela leva seu marido, Steve (Gabriel Byrne), e filhos, os adolescentes Peter (Alex Wolff) e Charlie (Milly Shapiro), para o enterro.

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A família de Annie tem um histórico de doenças mentais e mortes estranhas, um passado que através das perdas e das tragédias parece indicar certos segredos decisivos para entender o que ocorre no presente. O processo de luto abala Annie, que gradualmente passa a se fragilizar diante das perdas.

O filme sugere horror através de pequenos detalhes. Annie trabalha com miniaturas, recriando com fidelidade impressionante ambientes e pessoas. Parece essa a perspectiva do próprio diretor: um trabalho meticuloso para chegar a uma atmosfera ideal de horror.

Não apenas o som, com melodias soturnas, mas o cuidado na construção das cenas, na montagem, no trabalho de câmera: tudo aponta para um verdadeiro artesão da linguagem cinematográfica. Não há um susto banal e clichê: o horror é atingido apenas através da manipulação dos artifícios do cinema. Há muitos pequenos detalhes que contribuem de forma criativa e sinistra para fazer a história avançar.

Annie tem por Charlie um carinho especial, já que a filha sobreviveu a algo grave na infância. Isso é indicado através das maquetes de Annie, um esboço assustador do momento em que ela abriu sua casa para sua mãe, que na época não fazia parte da família.

Quando um evento horrível e brutal altera a vida dessa família de forma profunda e insuportável, a própria existência de Annie passa a ser uma névoa entre realidade e pesadelo. É quando o filme se aproxima de "O Babadook" (2014) e "A bruxa" (2015), na maneira como lida de forma criativa com as expectativas do gênero terror.

Parte do motivo do filme funcionar tão bem está nas atuações. Todos os atores estão excelentes, mas há uma grande quantidade de cenas em que Toni Collette domina o momento de um jeito quase sobrenatural: há fúria e luto não apenas em seu discurso, mas nos seus gestos, nas suas dúvidas.

Aos poucos, um horror secreto começa a assombrar a todos, especialmente Annie. Aparentemente a matriarca dessa família tinha certos segredos e deixou seus ensinamentos em seguidores que não parecem inteiramente sãos. "Hereditário" demora a deixar claro quais são seus enigmas, e mesmo quando apresenta todo o enredo ainda restam dúvidas sobre o que move cada personagem.

É impressionante lembrar que este é o filme de estreia de um diretor, já que Aster mostra domínio absoluto da essência do medo: o poder de sugestão e o exame emocional dos personagens.

Cotação: ótimo



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