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Crítica: 'No Portal da Eternidade' desvenda biografia de Van Gogh

Dirigido por Julian Schnabel, filme 'No Portal da Eternidade', que estreia nos cinemas, traz uma obra emocionante sobre o pintor Vincent Van Gogh

Cena de 'No Portal da Eternidade'Cena de 'No Portal da Eternidade' - Foto: Diamond Films/Divulgação

À época em que me foi apresentada a história de Vincent van Gogh (1853-1890), um detalhe de sua biografia chamou atenção: “então ele começou a pintar aos 27 anos? Interessante!” Até entender que ser um Van Gogh seria impossível, admito que deixei este detalhe da vida de um dos artistas mais influentes do século 19 flertar com a minha constante procrastinação adolescente. Um homem que também cortou a própria orelha tende a ser um personagem interessante.

Aos 29 anos, estive diante do filme “No Portal da Eternidade” (2018), e sua versão da história do pintor holandês, morto aos 37, na interpretação do sexagenário Willem Dafoe - e que estreia nos cinemas hoje. Ou seja, um Van Gogh de carne e osso, possivelmente distante da versão vibrante, de pinceladas rápidas, expressas em seus tão famosos autorretratos.

Logo então criada, a expectativa não demorou a ser superada. O Van Gogh de Dafoe é humano na necessidade de fechar a janela, ao sentir frio, ou em oferecer dinheiro a uma mulher em troca de calor. Foi na envelhecida pele de 63 anos de Dafoe que Van Gogh aparentou ser tão frágil quanto qualquer homem perto da morte, em uma Europa do século 19, de expectativa de vida pouco superior a 40 anos.



Indicado ao Oscar pelo trabalho, o ator cria um retrato do pintor aliando sensações internalizadas com nuances carregadas de peso. Não há espaço para dúvidas de que Van Gogh sobreviveria apenas para a sua pintura e nem que seu único demônio era, de fato, ele mesmo. Mas o Van Gogh de “No Portal da Eternidade” nos diz mais.

Porque este Van Gogh, além de ser de Dafoe, é de Julian Schnabel. Assim como em “O Escafandro e a Borboleta”, ao traduzir o que se passa na cabeça de um homem que se comunica apenas com um olho, o diretor tenta reproduzir a mente artística de Van Gogh em “No Portal da Eternidade”.

O filme abusa da utilização de uma fotografia nervosa e subjetiva, de efeitos de “meio-desfoque” e transições abruptas. Além disso, a técnica do voice over - sobreposição de vozes - garante ao público os atormentados pensamentos do pintor. Em conjunto a uma mixagem de som ativa, é possível que o espectador entre em uma viagem intrapessoal e consiga visualizar o mundo sob os olhos de Van Gogh.

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Afinal, não seria esse o desejo de Van Gogh, autor de redemoinhos em um céu azul de “A Noite Estrelada” (1889) e de flores imortais em “Os Girassóis” (Sem data). Em “No Portal da Eternidade” ele revela o desejo que todos vejam o mundo pela sua visão. Embora seja uma biografia tradicional, o filme não tem medo de apresentar todas as falhas do pintor.

Apesar de o gênio da pintura também se mostrar um esquizofrênico, que ouvia vozes dentro de sua cabeça e sofria apagões, ele tinha uma certeza que também soaria como loucura: a de que era um artista à frente de seu tempo. Prognóstico confirmado. Mesmo sob a condição de humano, não há dúvidas de que ele cruzou a porta para a eternidade.

Cotação: ótimo

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