Seg, 22 de Dezembro

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contra abuso sexual

De Binoche a Godrèche, jornal publica ensaio com 100 atrizes francesas em defesa do #MeToo

Projeto foi uma iniciativa da atriz Anna Mouglais

Atrizes francesas em foto do jornal Le Monde no #MeTooAtrizes francesas em foto do jornal Le Monde no #MeToo - Foto: reprodução

No mesmo dia em que foi aberta a 77ª edição do Festival de Cannes, o jornal Le Monde publicou uma capa que já é considerada histórica, trazendo a foto de 100 francesas ligadas ao movimento #MeToo (“Eu Também”, surgido nos EUA que defende que mulheres denunciem casos de abuso sexual) no país. Cada qual com sua própria história de abuso sexual, e que tiveram a coragem de falar abertamente sobre os assédios sofridos.

O projeto foi uma iniciativa da atriz Anna Mouglais e surgiu a partir de uma estatística brutal por ela descoberta: o número de casos de denúncias de estupro que foram arquivadas sem uma devida investigação na França passou de 86% em 2016 para 94% em 2020, de acordo com o Instituto para Políticas Públicas. Em entrevista ao Le Monde, Mouglais disse que “cada vez que um caso de violência ocorre, a pessoa que o denuncia será confinada do lado de fora de sua categoria profissional”, e não poupou críticas ao presidente Emmanuel Macron.

— Enquanto a luta contra a violência sexual e sexista deveria ser uma causa importante para o governo de Emmanuel Macron, a impunidade continua a crescer na realidade — disse a atriz.

Em março, Macron prometeu a um grupo de ativistas que lutaria para incluir a noção de consentimento na definição do crime de estupro na França — pela legislação atual, só é considerado estupro o ato cometido por uma pessoa mediante ameaça, coerção, surpresa e/ou violência. Caso leve adiante a mudança, a França se aproximaria das legislações de países como Espanha e Bélgica.

No momento em que fez a promessa, Macron estava sob intensa pressão de organizações de defesa dos direitos das mulheres. No final de 2023, o presidente disse que havia uma “caçada humana” contra o ator Gérard Depardieu, acusado de abusar de 13 mulheres, e recusou retirar a Legião da Honra, principal honraria do país, concedida a Depardieu em 1996. Na semana passada, em entrevista à revista Elle, garantiu que “não houve complacência” com Depardieu, que “nunca defendeu um agressor”, e prometeu pautar “até o fim do ano” o projeto que muda os termos do crime de estupro.

A iniciativa do manifesto publicado no Le Monde também vem na esteira da denúncia feita pela atriz Judith Godrèche, que em fevereiro acusou dois diretores franceses — Benoît Jacquot e Jacques Doillon — de terem abusado sexualmente dela quando adolescente. Em fevereiro, ela prestou depoimento no Senado, e disse que “esta família incestuosa na indústria cinematográfica é apenas um reflexo de todas as famílias” afetadas por esse tipo de violência. A atriz afirmou ter recebido mais de 4,5 mil depoimentos de vítimas de violência sexual após ter tornado o caso público e feito um apelo nas redes sociais para que denúncias fossem feitas. Os dois negam as acusações.

— Quando uma figura pública fala sobre algo do qual foram vítimas, sempre nos questionamos se havia chegado o momento para um #MeToo francês — disse ao Le Monde Muriel Réus, vice-presidente da associação #MeTooMedia, voltada a casos de abusos cometidos dentro da indústria cultural. — Mas isso está em todo lugar há anos, é algo diverso e compartilhado por pessoas famosas e anônimas, de todas as profissões e de todos os estratos da sociedade.

Além da foto, em preto e branco, o projeto traz imagens individuais de 100 das 147 signatárias, suas histórias e vídeos com seus relatos. Entre as mulheres retratadas estão nomes conhecidos do cinema francês, como as atrizes Isabelle Adjani, Emmanuelle Béart, Florent Pommier, Juliette Binoche e a própria Judith Godrèche, além de também ativistas e profissionais de outros campos da vida francesa.

— As pessoas que se uniram não se questionaram se são diferentes — disse ao Le Monde a escritora Christine Angot, uma das signatárias do manifesto. — Eles compartilham um denominador comum, que não é tanto dizer “eu também”, mas dizer “não há responsabilidade” pelo que suportamos durante 2.000 anos. Já foi feito, ainda está sendo feito hoje e ainda será feito amanhã, mas não mais em silêncio e não mais com o consentimento de todos.

Segundo as organizadoras, o manifesto, que segue aberto a assinaturas, sugere 80 propostas que poderão ser incluídas em uma lei mais ampla contra o estupro, incluindo o apoio legal às vítimas e o veto a questionamentos considerados excessivos aos relatos das autoras das denúncias.

— Quando falamos de violência sexual e sexista, quase nada foi feito. Hoje, a resposta francesa ao #MeToo é não fazer nada. Precisamos de uma mudança de paradigmas, com recursos de investigação, prevenção e apoio para a Justiça — apontou ao Le Monde Anne-Cécile Mailfert, presidente da Fundação das Mulheres e uma das responsáveis pelo projeto apresentado pelo jornal.

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