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Centenário Paulo Freire

Do MCP ao Teatro do Oprimido: a relação de Paulo Freire com a arte

Pernambucano utilizou a produção cultural como ferramenta de educação e influenciou artistas

Augusto Boal e Paulo FreireAugusto Boal e Paulo Freire - Foto: Reprodução/Facebook do Instituto Augusto Boal

A arte desempenha um papel significativo dentro do pensamento construído por Paulo Freire. Embora nunca tenha sido o alvo direto dos estudos desenvolvidos pelo intelectual pernambucano, a temática sempre esteve presente nos seus escritos sobre educação. O caráter político e emancipatório apregoado em sua pedagogia influenciou e segue influenciando o fazer artístico.

Júnior Aguiar divide com Daniel Barros o papel do patrono da educação brasileira no espetáculo “Pa(Ideia) - pedagogia da libertação”, que retorna aos palcos para celebrar o centenário de seu homenageado. Para o ator e diretor pernambucano, a essência da filosofia freiriana está presente em produções que acreditam na arte como instrumento político.

“A alma de Freire é fazer com que as pessoas ocupem o lugar de sujeito. Ele entende a arte não só como algo a ser contemplado, mas como uma forma de despertar na gente o lugar de cidadão”, defende Júnior. A peça estrelada por ele fará uma apresentação apenas para convidados, neste domingo (19), no Teatro do Parque. Já para a sessão do dia 24 de setembro, às 19h, no Teatro de Santa Isabel, há ingressos à venda. 
 

O Teatro do Oprimido, concebido enquanto metodologia pelo teatrólogo carioca Augusto Boal em 1970, tem a pedagogia proposta por Freire como influência. Além do nome ser uma referência direta ao livro escrito pelo educador em 1968, muitas das suas técnicas levam para o ambiente artístico valores que se conectam ao pensamento freiriano.  

“Paulo defendia que o aluno não fosse tratado como um quadro em branco. No nosso teatro, partimos das histórias de vida das pessoas e das opressões para criar um teatro-fórum nas ruas. O público também pode entrar em cena e sugerir possibilidades de resolução dos problemas apresentados. É justamente o contrário da relação bancária criticada por Paulo, quando o aluno apenas recebe conteúdo”, aponta Andréa Veruska, que criou em Pernambuco, junto com Wagner Montenegro, o Núcleo de Experimentações em Teatro do Oprimido.
 

Espetáculo 'Las Mariposas', do NextoNexto trabalha o método do Teatro do Oprimido em Pernambuco (Foto: Camila Silva/Divulgação)

“Para entendermos o pensamento de Boal e sua aplicação, precisamos nos voltar para Freire. O Teatro do Oprimido é um dispositivo para fomentar o diálogo, a partir das histórias de vida das pessoas, mas não como mera exposição da intimidade. O objetivo é fazer pensar sobre a sociedade”, complementa Wagner.

Movimentos e projetos

Um olhar atento à biografia do educador é capaz de perceber como, ao longo da vida, o seu caminho cruzou com o de importantes artistas. Vale lembrar que Paulo foi um dos fundadores do Movimento de Cultura Popular (MCP), em 1960, durante a gestão de Miguel Arraes como prefeito do Recife. Implementado com a intenção inicial de alfabetizar a população, a iniciativa se estendeu a diversos setores culturais, reunindo nomes como o artista plástico Abelardo da Hora, o escritor Ariano Suassuna e o teatrólogo Hermilo Borba Filho.

“A boniteza da invenção do MCP conquistou, inteiramente, Paulo Freire. Repercutiu, fortemente, no seu espírito, no consciente e no inconsciente”, escreveu o professor e ex-prefeito de Olinda Germano Coelho, um dos criadores do movimento, que chegou ao fim com o golpe militar, em 1964.

Freire também participou ativamente da Escolinha de Arte do Recife, chegando a assumir a sua presidência nos anos 1950. Fundada pela educadora Noemia Varela, em 1953, a instituição segue desenvolvendo até os dias de hoje ações de arte-educação para diferentes públicos.

O pernambucano também incluiu a arte no seu famoso método de educação de adultos. O curso-piloto para o Programa Nacional de Alfabetização, implementado em Angicos, no Rio Grande do Norte, utilizava como ferramenta de aprendizado imagens que representavam o dia a dia dos alunos. Essas gravuras, produzidas no final de 1963 pelo artista plástico pernambucano Francisco Brennand, foram destruídas pelo regime militar. 
 

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